21/03/2018

Retomar o desenvolvimento. O pensamento de Donald Winnicott em Congresso

Retomar o desenvolvimento. O pensamento de Donald Winnicott em Congresso

Retomar o Desenvolvimento – a propósito do II Congresso Luso-Brasileiro sobre o Pensamento de Donald W. Winnicott
Catarina Rodrigues, Cláudia Fonseca, Felisberto
Cardoso, Irene Borges Duarte, João Boavida, Maria do Rosário Belo e Tiago Sequeira
Quem procura uma consulta de psicoterapia e tem a coragem interna e a esperança relacional de iniciar este caminho vai, de forma consciente ou inconsciente, à procura de “retomar o seu desenvolvimento”. Dito de outra forma, é alguém que sente, de forma intuitiva, que se lhe for possibilitado um estilo relacional voltado para a reflexão sobre si mesmo, onde possa pensar tudo sem tabus nem medos, com respeito e tolerância, e com o olhar na expansão das competências que ficaram inibidas ou sub-desenvolvidas ao longo do seu desenvolvimento, conseguirá desvelar um estilo relacional mais fluido, feliz, criativo, menos crítico consigo mesmo e com os outros, mais resiliente e expansivo.
Sente-o de forma intuitiva porque na matriz original do sujeito existem forças psíquicas que, como diria Winnicott, tendem para a saúde mental, se assim agir como facilitador o meio humano e relacional sentido como “suficientemente bom” no acolhimento, compreensão e atendimento das necessidades e características do bebé, as quais o autor designou por “gesto espontâneo” do bebé.
A pessoa que procura a psicoterapia sente, ainda que às vezes não o consiga explicar verbalmente (saturada que está de estilos relacionais e comunicacionais frustrantes e/ou agressivos), que se encetarem consigo uma relação centrada em si própria e com o olhar entusiasmado nas suas competências e qualidades, então poderá amadurecer e sentir-se mais livre, cooperativa, tolerante e confiante com o seu modo de se relacionar com o seu mundo interno e externo. A balança relacional passa a pesar mais do lado das competências. Competências todos temos, mas a verdade é que não são todas as relações que as sabem estimular em nós. E o ser humano desenvolve-se na relação e através da relação.
Esta será mesmo a essência do trabalho psicoterapêutico: oferecer-se como uma relação centrada na pessoa do paciente, voltada para as competências, para a responsabilização do próprio pela sua vida, para a construção de uma vida que o próprio sinta que é digna de ser por si vivida… e que vai sendo descoberta ao ritmo único do par terapeuta-paciente.
Neste sentido, o interesse genuíno pelo paciente é um ingrediente distintivo e deve servir de fator de diagnóstico para o bom crescimento e desenvolvimento da relação terapêutica. Quando gostamos de alguém, sentimos interesse e prazer em estar com ela, mas sobretudo apostamos nessa pessoa. Apostamos/cremos no seu desenvolvimento/crescimento, e é esse entusiasmo e crença que são sentidos, na comunicação intersubjetiva, pelo paciente e potenciam neste um olhar sobre si mesmo noutra perspetiva: como alguém gostável, mas sobretudo como alguém com potencial e valor. Um olhar fundamental para dar sentido e projecto de vida ao sujeito. Um olhar que faz nascer psicologicamente o sujeito – como ser humano com futuro na sua sociedade.
Pensando na influência do pensamento de Winnicott (psicanalista e pediatra inglês) na psicanálise actual, a Associação Portuguesa de Psicanálise e Psicoterapia Psicanalítica (AP),  presidida pelo Prof. Dr. António Coimbra de Matos e cuja comissão de ensino é presidida pelo Prof. Dr. Carlos Amaral Dias, vai realizar nos próximos dias 20 e 21 de Junho, no ISPA, um congresso dedicado a este que é um dos psicanalistas com mais importância para o desenvolvimento das descobertas de Freud, nomeadamente no que diz respeito ao tratamento e prevenção de doenças de foro psico-emocional graves. 
O congresso vai ter por título "A retomada do amadurecimento". Um conceito winnicottiano que tem por base o princípio de que a doença psíquica ocorre no ser humano sempre que este se vê impedido de amadurecer (evoluir). Isto é, o ser humano teria como tarefa conduzir e levar a bom porto a sua própria vida, adoecendo sempre que tal não acontece. As formas de adoecer são variadas, mas o sofrimento humano gira sempre em torno de questões básicas, como: sentir-se real e sentir que a vida vale a pena, sentir-se útil e capaz de conciliar sentimentos de ódio e frustração com sentimentos de amor e realização (sendo que na saúde imperam os segundos) e ter capacidade para gerir os afectos nas relações interpessoais.

O interesse do estudo das ideias veiculadas por Winnicott está não só na optimização dos processos de cura (dentro dos consultórios dos psicanalistas), como também na aplicação prática e preventiva destes conceitos no plano social mais alargado como, por exemplo, em contextos escolares, hospitalares e instituições de trabalho com pessoas de todas as idades. Por isso, pensamos que o II Congresso sobre o Pensamento de Donald Winnicott é útil para vários públicos: psicólogos, médicos, assistentes sociais, enfermeiros, fisioterapeutas, animadores sociais, professores; pais ou educadores que tenham a cargo crianças ou adolescentes; profissionais que trabalhem com idosos; ou simplesmente pessoas interessadas na compreensão da natureza humana e no auto-conhecimento.
Realizado em colaboração com a Sociedade Brasileira de Psicanálise Winnicottiana, e com o apoio da International Winnicott Association, este Congresso vai ser um momento único de possibilidade de aprendizagem e enriquecimento pessoal e profissional, contando com a presença de ilustres psicanalistas nacionais e internacionais, como António Coimbra de Matos, Carlos Amaral Dias, Cláudia Dias Rosa, Elsa Oliveira Dias, Laura Dethiville, Roseana Garcia, Zeljko Loparic. Porque acreditamos que o diálogo multidisciplinar é enriquecedor, contamos ainda com a presença do Prof. Dr. João Maria André, da área da Filosofia, e do Prof. Dr. João Gomes Pedro, da área de pediatria.
Estamos confiantes que este será um Congresso com grande adesão e rico debate de ideias dentro da área da saúde e de grande utilidade para todos os profissionais que se interessam pela saúde e bem-estar social.

Vinculação insegura. Insegurança para a Vida?

Vinculação insegura. Insegurança para a Vida?
https://www.publico.pt/2014/11/02/sociedade/opiniao/vinculacao-insegura--inseguranca-para-a-vida-1674848

Catarina Rodrigues
Publicado originalmente no Jornal Público, 2 de Novembro de 2014.



 Interessam-me as questões de como o estilo relacional parental contribui para a formação da personalidade do sujeito. “Quem eu sou” está, numa primeira fase da vida, associado aos cuidados parentais e às projecções dos pais. O modo de interagirem com o filho, física e verbalmente, consciente e inconscientemente, contribui para a definição da identidade do próprio. “Eu sou” na continuidade da relação com as minhas figuras significativas. Não quero com isto dizer que “eu sou o que as minhas figuras de vinculação atribuem que eu sou”, mas realçar que “eu vou definindo quem sou na interacção com aquilo que atribuem que eu sou e as minhas características, no momento presente”, isto é na complexa relação biológico, psicológico e relacional (epigenética).

O bebé pode sentir os cuidados dos seus pais como adequadamente responsivos às suas necessidades e o seu “eu” tem mais possibilidade de se desenvolver de forma genuína, ou pode sentir a relação dos seus pais para consigo como desadequada, não confiável, frustrante ou intolerante e o seu “eu” sente-se bloqueado, inibido ou distorcido. O seu desenvolvimento fica em suspenso. Face às necessidades insatisfeitas existe uma intuição do tipo de resposta necessária, o que o sujeito pode viver de forma mais proactiva, virando-se para o mundo relacional exterior, procurando tipos de relação alternativos, ou de forma menos saudável, isolando-se socialmente, inibindo oportunidades e mudanças, bloqueado pela acção inconsciente da tríade culpa, sentimento de inferioridade, inflexão da agressividade (“sou eu que não presto ou sou eu que sou muito exigente, não são os outros que não me correspondem bem”).

A culpa e os sentimentos de inferioridade, decorrentes de uma vivência muito crítica e desvalorizante dos insucessos e mesmo dos sucessos (geralmente sentidos como aquém das expectativas), debilitam a auto-estima e enredam o sujeito num verdadeiro novelo de sofrimento interno. Sente-se incapaz, por vezes mesmo miserável por não ser capaz ou por sentir pânico de fazer coisas ditas simples. O que concorre para um sentimento de dependência, geralmente inconsciente, face à iniciativa/cuidado/interesse do outro. Por exemplo, o sujeito sente-se infeliz por ninguém estar disponível para ele e não se dá conta que ele próprio não toma iniciativa ou que protela decisões. Permanece à espera do entusiasmo/incentivo do amor parental, agora deslocado para outras pessoas significativas da sua vida. Por isso mesmo, a crítica, a rejeição ou a desilusão do outro têm um efeito devastador no sujeito. Assentam em terreno fértil e o sujeito tem dificuldade em se defender (deflexão da agressividade para o exterior) ou manter intacta a sua auto-imagem (resiliência).

Nem todos os pais beneficiam de um sentimento de segurança básica em si mesmo que lhes permita transmiti-la aos seus filhos. A vida pode ter sido madrasta com eles e ter-lhes impedido de se desenvolverem de forma completa e segura. Apesar do seu amor pelos filhos, não são capazes de se descentrarem das suas próprias necessidades insatisfeitas. Encerrados em si mesmo (por vezes, passando uma vida inteira a procurar compreender-se e compreender os outros), é-lhes difícil empatizar e reconhecer como diferenciadas as necessidades de um outro.
Uma vinculação insegura promove um estilo inseguro de relação com o mundo e traduz-se num factor importante de limitação da vida da pessoa. Existe uma sensibilidade extrema a situações de mudanças, separações, viagens, desafios, assente num medo do abandono, da perda, da mudança. Repará-la requer perseverança e sobreviver a uma crítica interna feroz e esgotante; traçar o caminho de se assumir como agente competente para a sua vida, aceitando sucessos e insucessos; e libertar-se da idealização do outro, derivação da necessidade da boa relação parental precoce insatisfeita, para se lançar à conquista e descoberta de si.