17/02/2014

Tempo para o Essencial

(Público, 26 de Janeiro de 2014)

Catarina Rodrigues
Psicoterapeuta



Quantos de nós não se sente com pouco tempo para o essencial – a família? Numa época com tanta tecnologia e serviços criados para nos ajudar, parece paradoxal.

Olhemos, no entanto, para a nossa agenda diária: o tempo libertado por tal tecnologia e serviços parece ter sido engolido pelo trabalho. O restante está contado ao milésimo para ser possível fazer tudo o que supostamente é importante. Nomeadamente, colocar os filhos em atividades extra (dentro ou fora de casa), defendidas por algum técnico como essenciais ao seu desenvolvimento. Para depois nos darmos conta de que já não dá tempo para estarmos com eles com calma e sem agenda.

Que sociedade é esta onde pais e crianças passam mais tempo nos “empregos” do que a usufruírem uns dos outros? E que deixa tão pouco tempo para a criação de laços de intimidade na família?

Uma sociedade que nos inunda, direta e indiretamente, de informação de ditos especialistas - ou de não especialistas a não ser na arte de comunicar com convicção – sobre o que é fundamental ao desenvolvimento dos nossos filhos, necessariamente a ser mediado pelo consumo de bens, atividades e serviços considerados excelentes.

A publicidade é um espelho interessante deste fenómeno. Reparem como veicula que todos os livros, brinquedos ou serviços são excelentes, os melhores de sempre. Como não os ter?

Vivemos numa sociedade de superlativos, onde o normal deixou de ser suficiente. Só é aceitável ser-se o melhor e ter o melhor. Tudo o resto é lixo (brincando com o termo das agências de rating). A lógica é a da sedução à aquisição enquadrada num pensamento consumista e de competição. Só assim se compreende que tudo seja considerado tão indispensável na nossa vida; que tudo tenha rótulo de excelente; que tudo tenha um investimento substancial na aparência e que relegue para segundo plano o conteúdo.

Além disso, não é valorizada a durabilidade, mas o consumo. Um consumo rápido – de informação, de comida, de bens e serviços… e mesmo de relações pessoais – e onde o tempo para se usufruir das coisas e descobrir as suas potencialidades são valores em desuso.

Para se consumir mais, tem de se querer mais. Para isso, há que criar insatisfação face ao que se tem e criar imagens apelativas para suscitar o impulso de desejo de aquisição. Semelhante lógica gera sentimentos de desconfiança, porque, quando paramos para pensar, sentimos que a informação veiculada não corresponde à realidade: são uma série de palavras ou de imagens cuidadosamente estudadas para nos causar impacto e desejo de aquisição. Estejamos a falar de bens ou serviços.

Neste cenário, a insatisfação e a frustração são os sentimentos mais frequentes. Apesar de estarmos rodeados de bens e serviços, por um lado, são poucos os que realmente se destinam a colmatar genuinamente as nossas necessidades – a grande maioria destina-se a suscitá-las - e, por outro lado, não existe uma lógica de tempo para se usufruir e apreciar o que temos. O tempo deixou de ser o tempo presente, para ser o tempo futuro, onde algo melhor, mais avançado, mais fascinante irá aparecer.

A mudança tecnológica, a rapidez da informação, o constante aparecimento de coisas novas faz com que estejamos sempre a viver num constante apelo à novidade... E temos pouco tempo, efetivamente, para nos satisfazermos com o que temos. Rapidamente aparece algo novo e desejável.

Os pais são influenciados por esta mentalidade e sentem que, com tanta informação e acesso fácil, não têm desculpas para não dar aos filhos aquilo que é veiculado como o melhor para eles.

Contudo, creio que o melhor para os nossos filhos é possibilitar-lhes uma relação viva e entusiasmada connosco. Aquela onde nos interessamos por conhecê-los, o que só é possível com tempo e sem agenda. Estar com os nossos filhos, deixando-nos guiar pelos seus interesses, é estimular e expandir as suas competências genuínas. E isso, sim, traz sentimento de satisfação duradoira!

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