26/09/2013

Afinal, qual é o papel dos pais?

Jornal Público (26 de maio de 2013)


Catarina Rodrigues
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta

Assistimos a mudanças qualitativas na relação entre pais e filhos, crescendo o número de pais que reconhecem a importância de acompanharem o desenvolvimento do seu bebé. Alguns, privilegiados, fazem alterações na sua vida profissional de modo a que aqueles possam ficar os 2 ou os 3 primeiros anos de vida em casa com um dos pais, a tempo parcial (mais raramente a tempo inteiro), com o apoio ou dos avós, ou de uma ama, ou mesmo de uma creche, onde deixam o filho nos dias em que têm de ir trabalhar. O que não abdicam é de um período exclusivo com os seus filhos, em que se dedicam inteiramente a eles e se focam no prazer de estar com eles.

São pais emocionalmente disponíveis para os seus filhos, graças, também, ao crescimento financeiro que se observou nas décadas anteriores e que deixou os pais mais libertos das preocupações com as necessidades básicas de comer e da saúde e, por isso, disponíveis para uma outra necessidade básica que é liberdade/tempo para amar.

A crise atual já está a inverter este ciclo… mantendo-nos contínua e cronicamente afastados das políticas de assistência à família que vemos em países mais desenvolvidos. Países onde os governos sabem que mais amor na infância gera adultos mais seguros, menos doentes psicologicamente e mais capazes de construir uma sociedade melhor.

As mudanças a que assistimos impõem, pois, que pensemos qual o papel dos pais contemporâneos.

Afinal, qual é o nosso papel?

O bebé tem um potencial de desenvolvimento emocional saudável enorme. Ao nascer, espera sobretudo um meio acolhedor da sua espontaneidade e está disponível para aprender tudo o que é humano pelo humano, nomeadamente através das figuras parentais.

O impulso para o desenvolvimento efetiva-se na interação com o humano. Só me interesso pelos outros porque antes alguém se interessou por mim e me mostrou que os outros são, por isso, dignos do meu interesse. Sem este interesse primordial, o bebé fica cativo de uma necessidade insatisfeita e, embora vá crescendo fisicamente, emocionalmente permanece com esta necessidade em suspenso.

Note-se, pois, que os bebés não são tábuas rasas nem aceitam todo o tipo de cuidado que lhes é prestado, embora, dada a sua imaturidade e dependência, não tenham outra solução senão moldar-se.

Ora, em meu entender, é necessário reconhecer o bebé como uma pessoa em desenvolvimento. Fazendo-o, o nosso olhar sobre ele altera-se. De repente, não somos nós, adultos, que estamos no centro da questão, mas o bebé. O que é que isto quer dizer?

Quer dizer que, ao desejo epistemofílico inato do bebé deve corresponder uma atitude facilitadora dos pais. Quando falo em atitude facilitadora dos pais, estou a referir-me ao impulso natural dos pais em apresentar o mundo (natural e humano) ao seu bebé, por um lado, e em “seguir” a curiosidade do bebé no seu processo de conhecimento, por outro.

Ou seja, após uma primeira fase em que é o adulto que “inicia” a apresentação do mundo que será o do seu filho (no primeiro trimestre de vida), progressivamente vai sendo o bebé a comandar. Se a sua curiosidade é respeitada e respondida, o bebé sente-se competente na sua capacidade de exprimir o que quer e torna-se cada vez mais explícito sobre as coisas que quer ver, mexer e experimentar.

Assim sendo, penso que a arte da função parental é dar a resposta adequada ao desejo de conhecer inato do bebé. Neste sentido, os pais são como um farol (usando as palavras de António Coimbra de Matos): alguém que ilumina o caminho para que o outro possa fazer a sua escolha.


Contudo, só iluminar não chega. Para que a aprendizagem se instale numa auto-estima segura, é necessário que exista prazer e alegria inegáveis, espontâneos e consistentes face às conquistas do filho. É a luz do orgulho que ilumina a face parental que bafeja o amor próprio do filho, deixando sementes bem seguras de sentimentos de competência e de ser amado!

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