14/01/2013

Psicoterapia pais-bebés

por Catarina Rodrigues
Psicoterapeuta

In Revista Psicologia na Actualidade Online



São entusiasmantes os recentes estudos na área das neurociências, apontando para uma estreita relação entre a organização psíquica materna e o desenvolvimento de uma matriz intersubjectiva no bebé. Através da Ressonância Magnética Funcional (fMRI), os investigadores têm chegado à conclusão que o sistema de vinculação é activado durante a gravidez e no período pós-natal, quando a mulher se prepara para pensar por dois, construindo uma perspectiva intersubjectiva que já inclui o bebé (Ammaniti e Trentini, 2009). A investigação neurocientífica indica a existência de uma intensa flutuação hormonal durante a gravidez, o nascimento e a lactação, que remodela o cérebro da mulher, observando-se um aumento de algumas regiões cerebrais, como o hipotálamo (que regula as respostas maternas) e o hipocampo (que regula a memória e a aprendizagem) (Mayes, Swain e Leckman, 2005, cit. por Ammaniti e Trentini, 2009). É neste contexto que defendo, quando a dança sincrónica não acontece de forma espontânea na relação entre pais e bebé, a intervenção psicoterapêutica, que pode ser realizada ainda durante e após a gravidez, na maternidade, no consultório, ao domicílio, e se necessário até ao 2º ou 3º ano de vida da criança. Ou seja, em situações em que o trauma e a indisponibilidade materna constituem causas suficientes para a perturbação do desenvolvimento do feto e mais tarde do bebé, a intervenção precoce é essencial para a prevenção de quadros psicopatológicos graves, paragem do crescimento fetal ou, mesmo, morte súbita do feto ou do bebé. Com efeito, algumas experiências uterinas podem constituir-se como micro-traumatismos para o feto e estão associadas à indisponibilidade parental para se afinar com as características do feto, no sentido do attunement ou afinação afectiva de Stern (2006, cit. por Reis, 2010). Concordo com Eduardo Sá (2003) quando realça que nenhuma experiência por si só determina o desenvolvimento do feto a não ser que se torne um estado permanente e se transforme num traço da personalidade. É nestas situações que se deve intervir e trabalhar essencialmente o bebé no sonho e na relação dos pais, funcionando o psicoterapeuta como um reanimador do psiquismo do feto e do bebé (Sá, 2003), intervindo de forma precocíssima na saúde mental, emocional, física e cognitiva do feto/bebé/futura criança. A consulta psicoterapêutica pré-natal deve dirigir-se, pois, ao trabalho do bonding (conceito definido por Klaus e Kennel, 1976), procurando compreender, na história de vida daquela mulher, as razões que lhe estão a impossibilitar de viver uma gravidez mais livre e gratificante, ligando-se ao seu bebé e deixando-se ser ligada por ele. Os estudos científicos recentes apontam para o facto de a relação de afecto para com o bebé crescer sobretudo nos primeiros 3 a 5 dias após o parto (Figueiredo, 2003) e progredir ao longo do primeiro ano do bebé, o que está relacionado com a crescente disponibilidade e capacidade responsiva do bebé, que faz com que a mãe sinta que o seu bebé a reconhece e comunica especificamente com ela Apontam, também, para uma relação directa entre a qualidade da relação do casal antes da gravidez e após o parto e uma relação directa entre a qualidade desta relação e a capacidade da mulher em superar o cansaço e a perturbação ligeira do humor (conhecida por blues pós-parto) decorrentes do parto e estar mais disponível para se ligar ao seu bebé (Isabella, 1994, cit. por Figueiredo, 2003). Não podemos esquecer a relevância do parto (Figueiredo, 2003), destacando-se o papel da ocitocina, também designada hormona do apego. Os estudos apontam para a relação entre os níveis de ocitocina e o tipo de parto, a dor no parto, a quebra do contacto precoce da mãe e do bebé e a disponibilidade interactiva do bebé (Figueiredo, 2003), sendo os maiores valores da hormona verificados em situações de parto normal e onde não existe quebra de contacto entre mãe e bebé nos primeiros momentos de vida extra-uterina do bebé. Com efeito, no decorrer das primeiras 24 horas de vida, o bebé está particularmente disponível e atento para a interacção (Field, 1990, cit. por Figueiredo, 2003), mantendo-se num período de alerta calmo, durante cerca de uma hora após o nascimento, durante o qual olha directamente para o rosto e os olhos da mãe e do pai e pode responder, num exemplo de proto-conversação (Trevarthen, 2001), às vozes que escuta. Na psicoterapia pais-bebé, o psicoterapeuta deve colocar-se na posição de cada um dos elementos, mãe, bebé, pai, auscultando dentro de si o impacto da relação estabelecida entre todos. Colocando-se na pele de cada um dos protagonistas, o terapeuta pode dar voz ao silêncio gritante que os desencontros produzem. Pode compreender os gestos agressivos ou indiferentes como carapaças defensivas face a uma relação de onde não se espera amor, reconhecimento, ligação, compreensão, numa continuidade de experiências dolorosas, angustiantes, desamantes. Compreender todas as emoções co-existentes na cena terapêutica com a família não é fácil. A presença de um bebé coloca-nos diante das nossas emoções mais precoces, desencadeia lembranças não-verbais da nossa própria relação primária, exige que auscultemos as emoções e as necessidades mais profundas, reconhecendo a dependência daquele ser face ao adulto e o desamparo sentido quando a resposta sensível e contingente não surge na comunicação dos pais. As reacções do bebé, nomeadamente o seu choro ou a ausência total de resposta, impelem também em nós, terapeutas, respostas instintivas, que precisam ser aceites e compreendidas naquela relação, que, afinal, é fundamentalmente uma relação humana… e que pretende recuperar a humanidade de todos os elementos. Ao constituir-se como um novo elemento activo naquela relação, o terapeuta procura criar um novo sistema, mãe/pai-bebé-terapeuta, que ofereça uma experiência relacional diferente. Interessando-se em perceber o porquê daquela qualidade relacional, o psicoterapeuta vai-se oferecendo como aparelho pensante e auxiliando na descontaminação e na co-construção de uma nova narrativa e, em simultâneo, introduzindo o bebé como objecto de (re)conhecimento e de relação. Ao mesmo tempo que compreende aquele bebé inserido nas características da relação actual, empatizando com a história de vida dos pais, o terapeuta permite-se dar voz ao desejo silenciado de encontro. Na esteira do programa TouchPoints de Brazelton, o psicoterapeuta pode ajudar os pais no reconhecimento das competências do seu recém-nascido, ilustrando como muitas são já competências para a relação específica com eles, incentivando a um corte com o ciclo relacional vicioso instituído. Ou seja, o olhar terapêutico impulsiona a co-construção de uma nova narrativa, onde se descobrem as competências dos pais e do bebé para o afecto naquela relação específica e privilegiada. O foco terapêutico deve estar direccionado, por um lado, à narrativa materna e suas representações e, por outro lado, à descoberta de como os comportamentos do feto e do bebé têm carácter vinculativo e expressam bem o seu interesse e atenção aos pais, nomeadamente à mãe, sobretudo no que concerne à contingência e sensibilidade das suas respostas. Desde cedo, mostrando que a comunicação multimodal é um meio eficaz de adaptação e de acção sobre o meio humano que o rodeia, o bebé “ajeita-se” ao estilo relacional que lhe é oferecido. Vai, assim, constituindo a teia mnésica relacional implícita, a que o terapeuta deve estar atento e onde deve actuar, compreendendo o seu valor matricial face a todas as relações futuras daquele bebé. Com efeito, este conhecimento fica guardado na memória implícita, sendo actuado, sem consciência, pelo sujeito ao longo da sua vida. À semelhança do recém-nascido, o terapeuta deve estar atento às tonalidades afectivas da relação entre pais e bebé, interessando-se em perceber os seus ritmos, as suas variações, as relações de contingência entre o comportamento de uns e a resposta de outro. Depois, deve deslocar-se deste papel de observador e adoptar um papel mais interventivo, procurando reparar a função alfa que falha naqueles pais, porque falhou na sua infância. Conhecedor da «esfera de significados» (Trevarthen, 2001) daquela família, compreendendo os comportamentos perturbadores do crescimento da relação, o terapeuta pode oferecer-se como aparelho pensante e entusiasmante da relação. E, a pouco e pouco, com respostas contingentes e sensíveis, o terapeuta vai introduzindo elementos sanígenos na dança da comunicação precoce e, à semelhança da «mãe suficientemente boa» de Winnicott (1956/2000), vai ajudando aqueles pais e bebé a re-construírem uma «esfera de significados» (Trevarthen, 2001) desintoxicada. Referências Bibliográfias Ammaniti, Massimo e Trentini, Cristina (2009), «How New Knowledge about parenting reveals the neurobiological implications of intersubjectivity: a conceptual synthesis of recent research». Psychoanalytic Dialogues, 19, pp. 537-555. Figueiredo, Bárbara (2003), Vinculação materna: Contributo para a compreensão das dimensões envolvidas no processo inicial de vinculação da mãe ao bebé, Revista Internacional de Psicología Clínica y de la Salud/International Journal of Clinical and Health Psychology, Vol. 3, Nº 3, pp. 521-539. Reis, Nuno (2010), No feto o bebé: as origens da relação. Se… não: Revista de Psicanálise, psicoterapia psicanalítica e desenvolvimento humano, pp. 103-110. Sá, Eduardo (2003), Psicologia do Feto. In Psicologia do Feto e do Bebé (3ª edição), Cap. V, pp. 85-100. Fim de Século. Trevarthen, C. e Aitken, K. (2001), Infant Intersubjectivity: Research, Theory and Clinical Applications. Journal of Child Psychology and Psychiatry, vol. 42, nº 1, pp. 3-48. Cambrigde University Press. Winnicott, Donald (1956/2000), A Preocupação Maternal Primária. In Da Pediatria à Psicanálise: Obras escolhidas. Pp. 399-405. Imago Editores. Rio de Janeiro.

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