14/01/2013

Crescendo ao ritmo do amor


Catarina Rodrigues
Psicóloga Clínica, Psicoterapeuta

Outubro de 2012
Seguindo o ritmo do bebé – o mimo é importante!
As questões sobre a independência e autonomia do bebé suscitam debates apaixonados entre aqueles que acham que o mimo cria “manha”, senão mesmo um bebé ditador, e que tem consequências ao nível da capacidade de autonomia futura, e aqueles que consideram o mimo como um modo natural de relação com o bebé e que é este que constitui a base onde assenta o crescimento para a independência e autonomia.
Sempre me considerei pertencente ao segundo grupo de opinião e desde há muito que me interrogo do porquê desta exigência face aos bebés. Agora, por ser mãe recente, estas interrogações ganham redobrada força e novas reflexões.
Todos nós já ouvimos, certamente, alguém dizer, diante da tríade pai/mãe-bebé: «Não dês tanto colo. O bebé fica mimado e cheio de manha e não vai querer outra coisa. E é mau para o seu desenvolvimento». Questiono-me, contudo, que sabedoria popular ou que estudos científicos comprovam que o colo, na fase mais precoce do ser humano, prejudica o seu desenvolvimento? Que exemplos temos de crianças-problema que tenham “sofrido” do dito “colo a mais” em bebés?
Da minha experiência, leituras e reflexão, as patologias e as perturbações emocionais do desenvolvimento surgem em reação a um quadro de relações precoces problemáticas, onde faltou uma relação de amor clara, inequívoca, mútua, generosa e caracterizada pelo respeito (incluindo o respeito pelo ritmo do bebé), reconhecimento da individualidade e das potencialidades da pessoa.
O papel dos pais desvela-se na disponibilidade para a construção de uma relação de intimidade, assente na observação atenta e sensível do seu filho, procurando que as suas respostas sejam contingentes, adequadas e empáticas às necessidades e competências daquele. E para tal, basta estar atento ao bebé e levar a sério as suas manifestações. Ou seja, considerá-las como comunicação relacional.
Efectivamente, o choro e o comportamento corporal nos bebés são meios de comunicação de alguém que ainda não tem capacidade de pensar-se e de falar. Partilho a ideia de que o choro e o comportamento corporal têm significado relacional e que é função dos pais procurar descodificar e significar através da resposta adequada. O bebé ao chorar está a comunicar com os meios que conhece e estão ao seu alcance.
Ou seja, desde que nasce e começa a sua relação com os seus cuidadores preferenciais, normalmente os pais, o bebé inicia o seu processo de comunicação e de adaptação ao estilo de comunicação e de cuidado que esses cuidadores lhe oferecem. Trata-se de um comportamento geneticamente definido e cuja relação com outros humanos molda e potencia. Efectivamente, somos seres sociais e, desde que nascemos, procuramos a relação com outros humanos. É nessa relação que nos sentimos amados, entendidos, desafiados e que aprendemos e crescemos como seres humanos de pleno direito.
O recém-nascido apresenta, pois, um repertório comportamental que estabelece a ponte entre si mesmo e os outros humanos, preferencialmente os seus cuidadores, salientando-se o choro, o modo como molda o seu corpo ao cuidador, a exploração que faz com as mãos, e alguns sons que emite e que transmitem mal-estar/bem-estar ou até mesmo reconhecimento do seu cuidador.
Não considero, pois, que o recém-nascido esteja num estado de indiferenciação e que não reconheça o meio exterior como tal ou que viva num estado simbiótico e fusional. Penso que o bebé, desde que nasce, percepciona-se, ainda de uma forma imatura, a si mesmo e ao outro, nomeadamente os seus cuidadores, relativamente a quem tem uma atenção prolongada e diferenciada desde o momento do nascimento.
Efectivamente, depois de nascer e quando é colocado ao colo da mãe, o bebé passa bastante tempo olhando para a mãe e cheirando-a (sublinhando-se que o olfacto é um dos sentidos mais antigos que possuímos). Ele reconhece a mãe pelo tom de voz. Este é um pouco diferente daquele que ouvia no útero, mas a cadência do discurso é a mesma. Agora, decora o seu rosto, o seu cheiro, molda-se ao seu colo. A mãe sente-se scanerizada e está ela própria num estado de vigília invulgar (devido às hormonas libertadas no parto), incapaz de desviar o olhar do seu bebé, em relação a quem decora todos os traços e em relação a quem procura perceber as suas necessidades, “adivinhando-as” no seu comportamento.
Considero, pois, o bebé como um parceiro visivelmente activo na relação com os seus pais desde o momento em que nasce, manifestando uma série de comportamentos que procuram comunicar as suas necessidades fisiológicas e emocionais (ainda no útero, já esta comunicação se adivinha: o bebé reage às vozes dos pais e à estimulação táctil na barriga). Comunicação biologicamente determinada, pois dela depende a sobrevivência (não é por acaso que a sabedoria popular diz: «Bebé que não chora, não mama»), e cujas características se vão firmando na interacção bebé-pais, pois é nesta interacção que ganham sentido. Ou seja, o bebé aprende com as respostas que os pais lhe dão às suas necessidades e competências. E assim se constitui pessoa!
Ora, as necessidades de um bebé, como de qualquer ser humano, não se esgotam no sentir-se saciado, limpo e com boa temperatura corporal. Nem a mãe não se torna única e especial por dar o leite. Não é isso que torna os pais imprescindíveis. O que os torna únicos é a qualidade do amor que sentem pelos filhos. Ou seja, é o mimo que votam ao seu rebento. Um amor que a sabedoria popular classifica como laço de sangue e lhe confere uma qualidade distintiva no trato que se dá ao bebé. Este laço de sangue, laço geneticamente enraizado, transforma o olhar dirigido ao bebé (não é um bebé qualquer; é o meu filho, é uma parte de mim e de mim depende a sua sobrevivência) e inunda os pais de uma imensa disponibilidade para amar.
Diante de um bebé recém-nascido é natural, por parte do adulto, a reação de o agarrar, tocar, embalar, olhar/observar, contemplar, mimar, sobretudo se for pai desse bebé. Não se trata apenas de uma reação espontânea de amor face ao bebé, trata-se também de uma resposta complementar ao comportamento do bebé, nomeadamente o choro. Com efeito, quando o bebé chora, os pais têm o impulso natural de lhe pegar e envolver. Quando penso nisso, constato a maravilhosa complexidade e sabedoria da natureza: à imaturidade do bebé corresponde a resposta natural do adulto em agarrar, cuidar, acalmar, ensinar.
Quem sabe qual a boa dose de mimo? Aquela dose suficiente, que bem responde às necessidades de segurança, carinho, aconchego, conforto, proximidade física e emocional do bebé? Não sei se alguém sabe, mas a maioria das pessoas afirma “saber” que a “dose” dada pelos pais é a mais. O mimo parece sempre ser em dose demasiada… Desde que nasce, e às vezes ainda antes, o bebé, pela interposta pessoa dos seus pais, é confrontado com uma série de ditames que afirmam que deve ser o mais rapidamente possível auto-suficiente, autónomo, responsável e sério.
Porque exigimos tanto dos bebés? E de seus pais? Porque se pretende que a resposta espontânea e natural dos pais não seja a mais adequada ao bebé?
Neste sentido, será que a questão do mimo deverá centrar-se no quanto (quanto mimo) ou no quando (até quando o bebé precisa deste tipo de mimo)?

O ritmo do amor não tem regras pré-determinadas e fixas
Esta é uma fase em que mãe e recém-nascido querem, precisam, estar juntos, em íntimo contacto pele a pele. Prolongam a simbiose que conheciam quando aquele bebé estava no útero materno. A separação, normalmente, é sofrida para ambos. Para a mãe, é bom, volvidos 9 meses, ter o seu bebé ao colo e poder tocar-lhe e transmitir-lhe, através do seu toque, do seu olhar, da ternura na sua voz, o quanto o ama. Para o bebé, estar no colo da mãe, sentindo-a, cheirando-a e olhando-a, confere um sentimento de continuidade à sua vivência. Esteve toda a sua vida unido intimamente àquela pessoa, ela é toda a realidade que conhece, que manter-se perto dela confere segurança, confere um sentimento de continuidade na sua experiência de vida.
Neste sentido, questiono-me porque tanto se culpabilizam as mães e os pais por quererem ter os seus filhos recém-nascidos “24 horas” perto de si e nos seus braços. Não se trata, a meu ver, de um perigo para a independência do bebé; trata-se, sim, de um comportamento sensível por parte dos pais, que mantêm coerente e una a experiência do bebé que acabou de sair do útero de sua mãe e que se sente perdido longe da mãe e do pai. E esta necessidade mantém-se, ainda que com gradações diferentes, ao longo do percurso de deixar de ser bebé e tornar-se criança.
Esta necessidade justifica-se, em meu entender, pelo facto de mãe e pai funcionarem como “prolongamentos” do bebé. Incapaz de suprir sozinho as suas necessidades, o bebé chama os pais. E chama-os porque tem fome, porque tem sono, porque tem frio/calor, porque quer conforto, porque quer carinho, quer companhia. Quando nasce, todas estas sensações são avassaladoras e intensas. O bebé não as consegue ainda regular. De modo que pode chamar os pais a todo o instante, acalmando-se quando no colo. É a presença efetiva e afetiva dos pais que lhe traz o sentimento de segurança e de confiança. O recém-nascido verifica que os pais respondem às suas necessidades, trazem-lhe a certeza de não estar sozinho. Por outro lado, sente-se tranquilo com o seu tom de voz, o quente do seu corpo e o ritmo do bater do seu coração (bem conhecido no que diz respeito ao da mãe).
Pode ser uma fase bastante exigente para os pais, sobretudo para a mãe, se o bebé estiver a ser amamentado. Eu recordo-me que, no 1º mês de vida da minha filha, a minha presença era necessária quase constantemente. Lembro-me bem de como isso pode ser esgotante para uma mãe, pois não consegue descansar. Mas também de como não se consegue agir de outra forma, pois o apelo do bebé é muito forte. E isto não significa que este seja um ditador ou mesmo manipulador. Significa, sim, que se exprime bem e que descansa quando reconhecem e respondem às suas necessidades. Não é o que sucede connosco? Na ausência da boa e adequada resposta, fica a frustração, a deceção… e o desenvolvimento fica em suspenso, à espera…
E é esta resposta pronta e afetiva que vai ajudando o bebé a regular-se e a transitar do ciclo uterino para o ciclo da vida no exterior. E é neste respeito pelo ritmo do bebé que a independência e a autonomia vão acontecendo. Reconhecendo-se que aquele bebé já é uma pessoa.
É, pois, minha opinião que os pais se devem regular pelo ritmo do seu filho. Esse é o ritmo do amor. Não há dois bebés iguais. Não há duas pessoas com necessidades iguais. Mas uma necessidade todos temos enquanto seres humanos: crescer. E para isso, necessitamos sentirmo-nos amados, reconhecidos e respeitados e que é no seio desse amor que nos sentimos estimulados e incentivados a crescer!
Os pais emocionalmente disponíveis intuem/sabem quando é necessária a sua presença junto do seu bebé. Sabem-no porque conhecem bem as suas necessidades, atentos que estão a ele desde que nasceu, mas também porque observam e constatam as suas capacidades crescentes. Sentem que o seu filho progressivamente vai precisando deles de forma diferente e que “aguenta” mais tempo sozinho. Está mais confiante e seguro. É este o ritmo do crescimento: da base parental para o mundo. E este ritmo é específico em cada bebé, sem comparações, culpabilizações ou desvalorizações. Se se olhar para a especificidade de cada um, apenas podemos ver as suas conquistas com orgulho e alegria!
 Assim, o desafio é estar disponível emocionalmente para se sentir e “ouvir” as necessidades e as competências específicas daquele bebé. E não há pessoas melhores para o entenderem do que os pais. Porque são as pessoas que mais amam aquele bebé, porque estão com ele 24h por dia, porque, com sensibilidade, são as pessoas que vão descodificando o ritmo de crescimento do seu filho, que vão notando os seus “imensos” progressos e mudanças desde que nasce e o estimulam de forma sensível e contingente às suas competências.
No fundo, seguir o ritmo do amor é dar-se a si mesmo por inteiro à relação com aquele bebé. Dar-se de uma forma inteira e plena, sem normas, nem constrangimentos – como nos damos quando estamos apaixonados! Quem “dita” as regras é quem ama; não quem está de fora. Esses normalmente são para ser contrariados.

O ritmo do amor – o mimo é importante!


Catarina Rodrigues
Psicóloga Clínica, Psicoterapeuta


Contemplar
O nascimento de um bebé suscita uma complexidade de sentimentos em todos os que o rodeiam, e não estou apenas a referir-me aos pais. Ninguém fica indiferente a um bebé, nem ao modo como os pais o tratam.
Para os pais pela primeira vez, que ainda não “provaram” a sua capacidade parental, os palpites, os conselhos, os reparos, as ideias dos outros são mais que muitos em relação ao modo como tratam e devem tratar o seu filho. Pode não ser fácil de gerir, sobretudo quando o cansaço do parto, a diminuição das hormonas do parto, a exigência emocional e física de um recém-nascido e a adaptação à parentalidade consomem parte substancial das energias dos pais.
A intenção de quem rodeia pode até ser a melhor, pode até nem ser com o objectivo de aconselhar ou de criticar os pais, pode ser simplesmente um comentário que se esboçou resultante de uma reflexão interna, pode ser uma partilha de como a pessoa fez em relação a um filho seu… Mas, e consoante a maior ou menor confiança dos pais em si mesmos e um no outro, do grau de exigência que têm para consigo mesmos e do grau de discernimento possibilitado pelo cansaço, e da importância que atribuem às pessoas que fazem tais comentários, estes podem ter um impacto significativo… e desgastar os recém-pais em argumentos e em pensamentos que os podem fazer sentir que se estão a defender e lhes podem suscitar dúvidas que não tinham… Sobretudo enchem-nos de ruído externo numa altura em que, penso eu, é necessário silêncio e carinho.
Acrescente-se que, quando estes comentários emergem da geração anterior (ou seja, dos pais dos recentes pais), antigos conflitos e antigas dinâmicas relacionais podem ressurgir e perturbar o delicado equilíbrio emocional em que os pais se encontram. Nomeadamente, conflitos relacionados com as falhas sentidas na sua relação mais precoce.
Efectivamente, existe, por um lado, uma identificação dos pais ao seu filho, o que os coloca em contacto com o seu lado bebé, reavivando a vivência das falhas da sua relação mais precoce. O que pode resultar numa menor tolerância face às atitudes parentais dos seus próprios pais em relação ao seu filho (isto é, ao neto dos seus pais), uma vez que estas vêm, de forma inconsciente e imediata, reavivar feridas antigas. O modo de ser avós em relação ao neto recorda o modo como estes se relacionaram com os recém-pais quando eram bebés e crianças. Aquilo que antes fora sentido, mas que não tinha uma mente suficientemente madura para ser pensado, elaborado e compreendido, é-o agora, ou pode sê-lo agora. E a consciência das falhas parentais traz uma maior compreensão de quem são os seus pais, mas também de quem se é. De como se tornou quem se é. Iluminam, pois, a história do próprio. E as suas próprias falhas. Que não deseja passar para o seu filho. Que deseja “corrigir” no filho. Ser diferente dos seus pais é, pois, criar um filho diferente de si mesmo. Através do modo como cuida do seu filho, o próprio está também a cuidar do bebé que permanece dentro de si e cujo desenvolvimento não se fez em pleno. Quando predomina um lado saudável nos pais, e a consciência das falhas da relação anterior, estes desejam que o seu cuidar possa ser diferente e permitir que o seu filho cresça melhor e se concretize de forma mais plena no futuro.
E, por outro lado, uma identificação ao seu novo papel, o que implica deixar o seu papel de filhos (e, por isso, estar menos receptivo aos “cuidados” dos seus pais) e assumir o seu novo papel – ser mãe/pai – e pensar de forma independente e autónoma. Sobretudo, cada vez mais de acordo com o seu próprio pensamento.
Estar com uma família recente deveria ser um momento sobretudo de contemplação. Contemplar os pais e seu bebé no acto mágico de afinarem, tão precocemente, uma música de amor. Invadidos por tantas emoções, dúvidas e medos, os recentes pais necessitam de silêncio para serem capazes de discernir finamente os ritmos da música que começou a tocar nas suas mentes logo que olharam e pegaram no seu bebé. Ritmos que inicialmente pareceram emergir de instrumentos algo desafinados ou de som longínquo, difícil ainda de entender. Faz parte do desconhecimento de um primeiro contacto e da inexperiência! Para que os pais os consigam ouvir mais distintamente precisam de estar em contacto íntimo consigo mesmos e com o seu bebé. É nesta tríade que se encontra toda a sabedoria. São momentos em que todos os elementos se contemplam e vão reconhecendo as características, as necessidades e os comportamentos únicos de cada um.
Excepção feita aos pedidos directos de ajuda dos recentes pais, só mais tarde é que os “ensinamentos” do exterior podem ser importantes/relevantes. Este é o momento por excelência de contemplação: do recém-nascido e de seus pais.

Seguindo o ritmo do bebé – o mimo é importante!
Após este prelúdio, gostava de refletir convosco sobre a questão do mimo e da independência. Uma questão que surgiu da minha experiência pessoal de recente mãe e que me parece ser aquela que mais “invade” a tríade.
As questões sobre a independência e autonomia do bebé suscitam debates apaixonados entre aqueles que acham que o mimo cria “manha”, senão mesmo um bebé ditador, e que tem consequências ao nível da capacidade de autonomia futura, e aqueles que consideram o mimo como um modo natural de relação com o bebé e que é este que constitui a base onde assenta o crescimento para a independência e autonomia.
Sempre me considerei pertencente ao segundo grupo de opinião e desde há muito que me interrogo do porquê desta exigência face aos bebés. Agora, por ser mãe recente, estas interrogações ganham redobrada força e novas reflexões.
Diante da tríade pai/mãe-bebé, é comum ouvir-se: «Não dês tanto colo. O bebé fica mimado e cheio de manha e não vai querer outra coisa. E é mau para o seu desenvolvimento». Mas sê-lo-á efectivamente? Que estudos científicos comprovam que o colo, na fase mais precoce do ser humano, prejudica o seu desenvolvimento? Que exemplos temos de crianças-problema que tenham “sofrido” do dito “colo a mais” em bebés?
Da minha experiência, leituras e reflexão, as patologias e as perturbações emocionais do desenvolvimento surgem em reacção a um quadro de relações precoces problemáticas, onde faltou uma relação de amor clara, inequívoca, mútua, generosa e caracterizada pelo respeito (incluindo o respeito pelo ritmo do bebé), reconhecimento da individualidade e das potencialidades da pessoa.
É disso que nos falam as pessoas que procuram a relação terapêutica: de como não se sentiram amadas, reconhecidas e valorizadas. Não se sentiram preferidas, especiais para os seus pais. Ou seja, alvo de um amor que projecta os filhos num futuro de concretização e de orgulho. De como sentiram que as suas necessidades não foram bem entendidas e de como isso lhes coartou a espontaneidade da sua relação com os outros.
Ora, o papel dos pais desvela-se na disponibilidade para a construção de uma relação de intimidade, assente na observação atenta e sensível do seu filho, procurando que as suas respostas sejam contingentes, adequadas e empáticas às necessidades e competências daquele. E para tal, basta estar atento ao bebé e levar a sério as suas manifestações. Ou seja, considerá-las como comunicação relacional.
O choro e o comportamento corporal nos bebés são meios de comunicação de alguém que ainda não tem capacidade de pensar-se e de falar. Por isso, porque alguns insistem que se deve deixar um bebé a chorar («Deixa chorar o bebé. O choro é normal nos bebés»)? Porque se deixa essa comunicação ficar sem resposta? Ninguém gosta de ficar a falar sozinho… Partilho a ideia de que o choro e o comportamento corporal têm significado relacional e que é função dos pais procurar descodificar e significar através da resposta adequada. O bebé ao chorar está a comunicar com os meios que conhece e estão ao seu alcance. Está a falar na linguagem que lhe é própria.
Ou seja, desde que nasce e começa a sua relação com os seus cuidadores preferenciais, normalmente os pais, o bebé inicia o seu processo de comunicação e de adaptação ao estilo de comunicação e de cuidado que esses cuidadores lhe oferecem. Trata-se de um comportamento geneticamente definido e cuja relação com outros humanos molda e potencia. Efectivamente, somos seres sociais e, desde que nascemos, procuramos a relação com outros humanos. É nessa relação que nos sentimos amados, entendidos, desafiados e que aprendemos e crescemos como seres humanos de pleno direito.
O recém-nascido apresenta, pois, um repertório comportamental que estabelece a ponte entre si mesmo e os outros humanos, preferencialmente os seus cuidadores, salientando-se o choro, o modo como molda o seu corpo ao cuidador, a exploração que faz com as mãos, e alguns sons que emite e que transmitem mal-estar/bem-estar ou até mesmo reconhecimento do seu cuidador.
Não considero, pois, que o recém-nascido esteja num estado de indiferenciação e que não reconheça o meio exterior como tal ou que viva num estado simbiótico e fusional. Penso que o bebé, desde que nasce, percepciona-se, ainda de uma forma imatura, a si mesmo e ao outro, nomeadamente os seus cuidadores, relativamente a quem tem uma atenção prolongada e diferenciada desde o momento do nascimento.
Efectivamente, depois de nascer e quando é colocado ao colo da mãe, o bebé passa bastante tempo olhando para a mãe e cheirando-a (sublinhando-se que o olfacto é um dos sentidos mais antigos que possuímos). Ele reconhece a mãe pelo tom de voz. Este é um pouco diferente daquele que ouvia no útero, mas a cadência do discurso é a mesma. Agora, decora o seu rosto, o seu cheiro, molda-se ao seu colo. A mãe sente-se scanerizada e está ela própria num estado de vigília invulgar (devido às hormonas libertadas no parto), incapaz de desviar o olhar do seu bebé, em relação a quem decora todos os traços e em relação a quem procura perceber as suas necessidades, “adivinhando-as” no seu comportamento.
Para os estudiosos da relação mais precoce, e validado por muitos pais, o bebé é um parceiro visivelmente activo na relação com os seus pais, manifestando uma série de comportamentos que procuram comunicar as suas necessidades fisiológicas e emocionais (ainda no útero, já esta comunicação se adivinha: o bebé reage às vozes dos pais e à estimulação táctil na barriga). Comunicação biologicamente determinada, pois dela depende a sobrevivência (não é por acaso que a sabedoria popular diz: «Bebé que não chora, não mama»), e cujas características se vão firmando na interacção bebé-pais, pois é nesta interacção que ganham sentido. Ou seja, o bebé aprende com as respostas que os pais lhe dão às suas necessidades e competências. E assim se constitui pessoa!
Ora, o que torna os pais únicos é a qualidade do amor que sentem pelos filhos. Não tenho qualquer pretensão em definir essa qualidade do amor, muito menos de opinar sobre o que é o amor ou quais as formas “certas” de amar. Existem comportamentos espontâneos do adulto que conferem ao bebé a certeza de ser amado. Um deles é o mimo, na medida em que por mimo se entende gestos de carinho, cuidado e protecção que resultam de um coração cheio de amor face àquele que amamos. Um amor que a sabedoria popular classifica como laço de sangue e lhe confere uma qualidade distintiva no trato que se dá ao bebé. Este laço de sangue, laço geneticamente enraizado, transforma o olhar dirigido ao bebé (não é um bebé qualquer; é o meu filho, é uma parte de mim e de mim depende a sua sobrevivência) e inunda os pais de uma imensa disponibilidade para amar.
Diante de um bebé, seja ele recém-nascido ou já não, é natural, por parte do adulto, a reacção de o agarrar, tocar, embalar, olhar/observar, contemplar, mimar, sobretudo se for pai desse bebé. Não se trata apenas de uma reacção espontânea de amor face ao bebé, trata-se também de uma resposta complementar ao comportamento do bebé, nomeadamente o choro. Com efeito, quando o bebé chora, os pais têm o impulso natural de lhe pegar e envolver. Quando penso nisso, constato a maravilhosa complexidade e sabedoria da natureza: à imaturidade do bebé corresponde a resposta natural do adulto em agarrar, cuidar, acalmar, ensinar.
Quem sabe qual a boa dose de mimo? Aquela dose suficiente, que bem responde às necessidades de segurança, carinho, aconchego, conforto, proximidade física e emocional do bebé? Não sei se alguém sabe, mas a maioria das pessoas afirma “saber” que a “dose” dada pelos pais é a mais. O mimo parece sempre ser em dose demasiada… Desde que nasce, e às vezes ainda antes, o bebé, pela interposta pessoa dos seus pais, é confrontado com uma série de ditames que afirmam que deve ser o mais rapidamente possível auto-suficiente, autónomo, responsável e sério.
Porque exigimos tanto dos bebés? E de seus pais? Porque se pretende que a resposta espontânea e natural dos pais não seja a mais adequada ao bebé?
Neste sentido, será que a questão do mimo deverá centrar-se no quanto (quanto mimo) ou no quando (até quando o bebé precisa deste tipo de mimo) ou/e no tipo de mimo (de que tipo de amor estamos a falar)? Questões que só por si exigiriam um outro artigo… Realizarei neste artigo uma primeira reflexão a esta temática.

O ritmo do amor não tem regras pré-determinadas e fixas
Após o parto e durante um tempo dificilmente definível por alguém do exterior, mãe e recém-nascido querem, precisam, estar juntos, em íntimo contacto pele a pele. Prolongam a simbiose que conheciam quando aquele bebé estava no útero materno. A separação, normalmente, é sofrida para ambos. Para a mãe, é bom, volvidos 9 meses, ter o seu bebé ao colo e poder tocar-lhe e transmitir-lhe, através do seu toque, do seu olhar, da ternura na sua voz, o quanto o ama. Para o bebé, estar no colo da mãe, sentindo-a, cheirando-a e olhando-a, confere um sentimento de continuidade à sua vivência. Esteve toda a sua vida unido intimamente àquela pessoa, ela é toda a realidade que conhece, que manter-se perto dela confere segurança, confere um sentimento de continuidade na sua experiência de vida.
Neste sentido, questiono-me porque tanto se culpabilizam as mães e os pais por quererem ter os seus filhos recém-nascidos “24 horas” perto de si e nos seus braços. Não se trata, a meu ver, de um perigo para a independência do bebé; trata-se, sim, de um comportamento sensível por parte dos pais, que mantêm coerente e una a experiência do bebé que acabou de sair do útero de sua mãe e que se sente perdido longe da mãe e do pai. E esta necessidade mantém-se, ainda que com gradações diferentes, ao longo do percurso de deixar de ser bebé e tornar-se criança.
Esta necessidade justifica-se, em meu entender, pelo facto de mãe e pai funcionarem como “prolongamentos” do bebé. Incapaz de suprir sozinho as suas necessidades, o bebé chama os pais. E chama-os porque tem fome, porque tem sono, porque tem frio/calor, porque quer conforto, porque quer carinho, quer companhia. Quando nasce, todas estas sensações são avassaladoras e intensas. O bebé não as consegue ainda regular. De modo que pode chamar os pais a todo o instante, acalmando-se quando no colo. É a presença efectiva e afectiva dos pais que lhe traz o sentimento de segurança e de confiança. O recém-nascido verifica que os pais respondem às suas necessidades, trazem-lhe a certeza de não estar sozinho. Por outro lado, sente-se tranquilo com o seu tom de voz, o quente do seu corpo e o ritmo do bater do seu coração (bem conhecido no que diz respeito ao da mãe).
Pode ser uma fase bastante exigente para os pais, sobretudo para a mãe, se o bebé estiver a ser amamentado. Eu recordo-me que, no 1º mês de vida da minha filha, a minha presença era necessária quase constantemente. Lembro-me bem de como isso pode ser esgotante para uma mãe, pois não consegue descansar. Mas também de como não se consegue agir de outra forma, pois o apelo do bebé é muito forte. E isto não significa que este seja um ditador ou mesmo manipulador. Significa, sim, que se exprime bem e que descansa quando reconhecem e respondem às suas necessidades. Não é o que sucede connosco, adultos? Na ausência da boa e adequada resposta, fica a frustração, a decepção… e o desenvolvimento fica em suspenso, à espera… Afinal, recém-nascidos, bebés, crianças, adolescentes ou adultos, homens ou mulheres, somos todos pessoas. E a necessidade de resposta afectiva, sensível e contingente às nossas necessidades é transversal ao ser humano.
E é esta resposta pronta e afectiva que vai ajudando o bebé a regular-se e a transitar do ciclo uterino para o ciclo da vida no exterior. E é neste respeito pelo ritmo do bebé que a independência e a autonomia vão acontecendo. Reconhecendo que aquele bebé já é uma pessoa.
É, pois, minha opinião que os pais se devem regular pelo ritmo do seu filho. Esse é o ritmo do amor. Não há dois bebés iguais. Não há duas pessoas com necessidades iguais. Mas uma necessidade todos temos enquanto seres humanos: crescer. E para isso, necessitamos sentirmo-nos amados, reconhecidos e respeitados e que é no seio desse amor que nos sentimos estimulados e incentivados a crescer!
Os pais emocionalmente disponíveis intuem/sabem quando é necessária a sua presença junto do seu bebé. Sabem-no porque conhecem bem as suas necessidades, atentos que estão a ele desde que nasceu, mas também porque observam e constatam as suas capacidades crescentes. É este o ritmo do crescimento: da base parental para o mundo. E este ritmo é específico de cada bebé, sem comparações, culpabilizações ou desvalorizações. Se se olhar para a especificidade de cada um, apenas podemos ver as suas conquistas com orgulho e alegria!
 Assim, o desafio é estar disponível emocionalmente para se sentir e “ouvir” as necessidades e as competências específicas daquele bebé. E não há pessoas melhores para o entenderem do que os pais. Porque são as pessoas que mais amam aquele bebé, porque estão com ele 24h por dia, porque, com sensibilidade, são as pessoas que vão descodificando o ritmo de crescimento do seu filho, que vão notando os seus “imensos” progressos e mudanças desde que nasce e o estimulam de forma sensível e contingente às suas competências.
É certo que faz parte da nossa natureza, enquanto seres humanos, procurar padrões. A capacidade que temos de o fazer, ajuda-nos a analisar situações, prever o seu desenvolvimento, antecipar ocorrências. Mas esse é um paradigma do pensamento que se está a alterar, cada vez mais compreendendo-se que a relação humana é dinâmica, sistémica e, essencialmente, complexa. O que serve para uma tríade, pode não servir para outra. Há que se ser sensível e contingente às diferenças que surgem com cada filho, que sofrem a influência do contexto actual da vida da tríade e da vida pessoal de cada um dos elementos. É, pois, difícil falar de padrões. É difícil dizer que se deve fazer assim ou de outra forma. Depende. Depende daquele bebé e das circunstâncias que rodeiam a família nos momentos que vão colorindo a sua vida.
No fundo, seguir o ritmo do amor é dar-se a si mesmo por inteiro à relação com aquele bebé. Dar-se de uma forma inteira e plena, sem normas, nem constrangimentos – como nos damos quando estamos apaixonados! Quem “dita” as regras é quem está na relação; não quem está de fora. Esses normalmente são para ser contrariados!

Com o bebé sempre na cabeça


Catarina Rodrigues
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta



Há dias inesquecíveis para os futuros pais. Um deles é o dia em que se sente o bebé mexer pela primeira vez, sobretudo se se trata de uma primeira gravidez. Se as duas primeiras ecografias já tinham permitido aos pais ver o seu bebé, dando-lhe forma e realidade física, os movimentos do bebé no ventre materno trazem uma maior concretude e realidade ao bebé que até agora imperceptivelmente se desenvolvia e crescia dentro da barriga da mãe. Esta experiência é marcante para a mãe. Se inicialmente podia ser estranho pensar que iria ter um ser a mexer-se dentro de si, quando sente pela primeira vez o seu filho - que está vivo e cheio de energia dentro de si - a emoção transborda e o amor continua a crescer… até um infinito.
Numa experiência gravídica “normal”, sentir o bebé a mexer-se dentro de si traz uma alegria muito grande para a mãe. Pode, inclusive, tornar-se rapidamente numa via de comunicação entre mãe e bebé. Não quero dizer com isto que o bebé comunique intencional e conscientemente com o exterior através dos seus movimentos. Mas, para a mãe e para o pai, estes movimentos são especiais. São como que um vislumbre do seu filho, um apelo irresistível a tocar-lhe também. Por isso, quase sempre que o bebé se mexe a mãe fala com ele e toca na barriga no(s) sítio(s) onde sente os movimentos. Tenta descortinar qual a parte do seu corpo que está a mexer, tentando perceber como ele está posicionado dentro da barriga. Comunica com ele. Transmite-lhe com o seu pensamento, com a sua voz e com o seu toque o quanto o ama e pensa nele. Transmite-lhe o quanto quer estar em relação com ele, o quanto se quer dar a conhecer e o quanto deseja que o seu bebé sinta o seu amor por ele.
O desejo de comunicar com o seu bebé – percursor das interacções mais precoces – é enorme. Neste sentido, a mãe e/ou o pai podem mesmo estimular os seus movimentos, pressionando a barriga, cantando, falando para ele, colocando música, contando histórias, entre outras formas de estimular, dependendo da imaginação dos pais. E vão descobrindo que o seu bebé reage, o que os enche de satisfação e sensação de reconhecimento mútuo, que alimenta o seu amor por aquele bebé. Neste sentido, penso que podemos falar aqui de interacções precocíssimas pais-bebé, na medida em que consistiriam no substrato afectivo e relacional que alimentará as relações mais precoces, aquando do nascimento do bebé.
Ora, desde o momento em que a mãe sente mexer o seu bebé, a sua experiência emocional sobre ele começa a modificar-se. Progressivamente, o seu bebé torna-se uma presença constante na sua cabeça. Ele adquiriu uma existência palpável. A esta experiência, acrescenta-se o facto de ser neste momento, normalmente e se o desejarem, que os pais ficam a saber qual o sexo do seu bebé. Então, este adquire uma identidade e uma pessoalidade no discurso parental e familiar. Passa a ser nomeado no feminino ou no masculino, muitas vezes pelo nome que os pais lhe vão dar, e passa a ser sonhado nas roupas e na decoração para o quarto.
E o que começa por ser um pensar intermitente sobre o bebé, torna-se uma omnipresença a partir do 6º/7º mês. A partir desta altura, a mãe tem sempre o seu bebé na cabeça. O seu bebé tomou conta de grande parte da sua energia mental. Claro que também pensa sobre o parto, mas o grande foco da sua atenção e concentração é a chegada do seu bebé, preocupando-se em prevenir o máximo que consegue as suas futuras necessidades. E aqui estamos a falar de coisas como as roupas para os primeiros tempos, o quarto do bebé, as fraldas, e um sem número de artigos para o bebé e para si mesma que até então não faziam parte do universo da futura mãe e que envolvem, por isso, uma aprendizagem e uma adaptação. E, claro, pensar como se vai adequar/ajustar profissionalmente para a vinda daquele pequenino ser e que nos primeiros tempos tanto dela vai precisar. Tudo isto causa grande ansiedade na mãe. São imensas mudanças, a juntar a uma barriga cada vez maior e a pequenos “problemas” que advêm neste período da gravidez, como o cansaço, o sono, as dores de costas, entre outros.
Até que se sinta tranquila, a mãe pode parecer estar num estado alterado de humor… e muitas vezes assim o é. Winnicott, grande pediatra e psicanalista inglês, cunhou a este propósito o termo «preocupação materna primária» (1956/2000), querendo com isto significar um estado particular de humor da mãe, caracterizado por «uma sensibilidade exacerbada durante e principalmente no final da gravidez» (p. 401), que a vai permitir colocar-se no lugar do seu bebé, antecipar as suas necessidades e afinar-se de acordo com elas... e, acrescento eu, energizar quem está à sua volta, nomeadamente o marido, para estas necessidades. O que sucede é que grande parte da energia mental da mãe está canalizada para a preparação da vinda eminente do bebé. A sua disponibilidade mental está focada no seu bebé e nas suas possíveis necessidades.
Mas este é também um período de grande reflexão interna na mãe. À imagem mais ou menos idealizada do seu bebé, de si mesma e da relação entre ambos que pode ter aparecido no início da gravidez, emergem agora imagens mais concretas e próximas da realidade. A concretude da experiência de sentir o seu bebé dentro do seu ventre traz a mãe ao plano da realidade que dentro em breve vai transformar para sempre a sua vida. Se calhar, até aqui a sua mente derivava para muitas coisas e o quotidiano habitual ainda era soberano na mente materna. Mas, com os movimentos anunciantes do crescimento e da eminência do nascimento do bebé, a mente entra no que vou designar estádio de preparação para o nascimento do seu filho, em que o psiquismo vai “amadurecendo” para enfrentar esta nova etapa.
Neste estádio mental, como já referi, a mãe pode começar por preocupar-se com coisas mais práticas, como o quarto e as roupas do bebé, a maternidade onde o quer ter, inscrever-se ou não no curso de preparação para o parto, a mala para a maternidade, se vai ou não optar por realizar a criopreservação das células estaminais do sangue do cordão umbilical, os produtos de higiene para o bebé, o berço, o carrinho, o ovo e a cadeira… São mesmo muitas coisas e existe uma oferta imensa para ocupar os pais em decisões e contas familiares.
Mas, depois ou durante esta fase, emerge outra… maior. A mãe entra em estádio de reflexão sobre o seu papel materno e sobre o que recebeu da sua própria mãe e do seu pai. Emergem dúvidas sobre a sua capacidade de cuidar do bebé, que deseja que seja preferencialmente melhor do que a sua mãe fez consigo. Na minha opinião, de uma forma mais ou menos consciente e/ou mais ou menos segura, todas as mães querem fazer melhor pelos seus filhos e tratar deles de tal forma que eles sejam crianças saudáveis psicologicamente e bem preparadas para a vida. Nenhuma mãe gosta de pensar que pode não conseguir realizar este objectivo. Mas, quanto mais a contagem decrescente a aproxima do dia, mais as dúvidas e o medo assaltam a mente materna.
E se eu não consigo tratar/cuidar do meu filho? Saberei reconhecer e responder às suas necessidades? Conseguirei ter a energia necessária para lhe dar boas respostas? Saberei distinguir o que é melhor para ele? Vou conseguir amamentá-lo? Como é que eu vou conciliar a minha vida profissional com as necessidades do meu filho? Conseguirei trabalhar? E se eu precisar de trabalhar cedo na vida do meu bebé? Posso não poder tirar os quatro ou seis meses de licença de maternidade e ter de trabalhar mais cedo… Será que isso irá traumatizar o meu filho? Prejudicará o seu sentimento de segurança e de confiança no meu amor? Vou colocá-lo numa creche ou fica em casa com uma ama ou com os avós? E se ele ficar com os avós, como gerirei a minha relação com eles? Conseguirei ser mãe, para além de filha/nora? E na minha relação com o meu filho, será que eu vou fazer como a minha mãe fez comigo? Afinal, vou-me dando conta o quanto somos parecidas numas coisas… e que eu não queria mesmo nada… Será que o meu filho vai ser como eu? Como vou dar ao meu filho o que nunca recebi, mas que sei que faz falta para um desenvolvimento mais seguro e confiante? Como será que o meu marido vai desempenhar o seu papel de pai? Seremos complementares? Concordaremos nas coisas fundamentais? Conseguiremos oferecer ao nosso filho um ambiente relacional rico ou o dia-a-dia irá consumir a nossa energia? Como será que eu e o meu marido vamos sobreviver à vinda do nosso filho? O que vai alterar na nossa relação? Será que vou continuar a gostar dele (do marido) – e ele de mim – da mesma maneira?
Neste mesmo sentido, Stern (1997) aborda o conceito de «constelação da maternidade», onde destaca três discursos diferentes, mas relacionados: o discurso da mãe com a própria mãe; seu discurso consigo mesma; e seu discurso com o bebé. Destes discursos, emergem algumas preocupações, como sejam: a vida e o crescimento (a mãe interroga-se se será capaz de manter vivo e estimular o crescimento do seu bebé); a relação primária com o bebé (em que a mãe interroga-se sobre as suas capacidades de relação com o seu bebé, inicialmente assente numa base não-verbal), a matriz de apoio (que remete para a necessidade que a mãe tem de criar, permitir, aceitar e regular uma rede de apoio protectora, para que possa manter o bebé vivo e promover seu desenvolvimento psico-afectivo), e a reorganização da identidade (como se reorganiza a sua identidade no sentido de facilitar as suas funções maternas). Stern sublinha, ainda, que a organização da identidade materna depende essencialmente da narrativa que a futura mãe elabora sobre as suas experiências passadas, nomeadamente no que diz respeito à relação com a sua própria mãe.
Eu penso que intensidade destas (e de outras) questões depende da personalidade da mãe e da qualidade das suas próprias relações precoces, mas também da qualidade da relação do casal, isto é, da capacidade que o homem tem para empatizar com estas ansiedades da mulher e de lhe oferecer um colo onde se possa sentir segura. Quero com isto dizer, um colo mental onde a mulher se pode sentir segura para expor ao seu marido todas estas dúvidas e dele receber compreensão, calma e ponderação. São dúvidas para se levar a sério. Elas consomem grande parte da energia mental da mulher.
Nesta altura, a mulher sente necessidade de se sentir presença viva na mente do seu marido. Ou seja, tal como ela tem o bebé omnipresente na sua cabeça, deseja perceber se o homem também tem o bebé bem presente na sua cabeça e se a tem a ela também. Efectivamente, embora a mulher possa passar por momentos em que necessita/deseja estar sozinha, em contacto consigo mesma e com o seu bebé, outros há em que sente uma enorme carência de atenção e de conforto por parte do marido. O seu suporte dá-lhe a segurança de que não está sozinha nesta aventura.
Para o homem, este pode ser um momento bastante exigente em termos emocionais. Às suas próprias reflexões sobre o seu futuro papel de pai, e que lhe consomem alguma energia e preocupação, acrescentam-se as alterações de humor e exigências emocionais da sua mulher.
Mulheres e homens vivem as transformações psíquicas da parentalidade de forma diferente. Na mulher, o facto de ir sentindo o crescimento e o desenvolvimento do seu bebé dentro de si dá-lhe a possibilidade de estabelecer com o bebé uma relação precocíssima, onde, como já referi, o bebé se torna o centro da sua atenção. Durante este período, mãe e bebé vivem numa união partilhada que não se repetirá mais na vida de ambos. Numa experiência gravídica “saudável”, a mulher não se sente confundida com o seu bebé. Discrimina-o como um ser diferente de si mesma, e isso, aliás, é um bom sentimento, que a enche de esperança num futuro melhor protagonizado pelo seu filho. Sabe que tem um bebé dentro de si, que não é ela mesma – que é uma aposta diferente no futuro, fruto da conjugação entre dois seres adultos diferentes, ela própria e o seu marido, e das características particulares do seu bebé -, mas que vive nela, depende dela. É um organismo dentro do seu organismo, com vontade própria, como começa a perceber pelos movimentos que faz.
Ou seja, embora não se confundindo com o seu bebé, este está tão entranhado nela que faz parte dela e do seu pensamento. Por isso, a mulher pode não compreender e interpretar mal o facto de o seu marido não partilhar a mesma intensidade nos pensamentos sobre o bebé. E, em momentos emocionais mais exacerbados, pode mesmo chegar a sentir que este não se interessa da mesma forma pelo filho de ambos e fazê-lo sentir-se culpado disso mesmo. O que pode ser injusto para o homem. O que sucede é que ambos têm experiências emocionais diferentes e o homem consegue ter mais elementos na sua mente para além do bebé. Este vive na sua mente, mas não dentro dele, como sucede com a mulher.
O amor, o diálogo, a aceitação da diferença (vista como complementaridade e menos como fosso separador), a paciência, a compreensão empática são a pedra de toque na relação de casal. Durante a gravidez e sempre!
Ora, amor gera amor! O amor que os futuros pais receberam (nas suas próprias relações precoces e actuais) permite amar o novo ser que germina dentro do ventre materno. Este sentimento de ser amado, antecipado (sonhado), correspondido e respeitado é fundamental na criação do vínculo amoroso que ligará, então, o bebé aos pais e que Bowlby cunhou de vinculação. Mas, para que esta suceda, primeiro os pais têm de se ligar ao seu bebé. Esta é a lógica fundamental do amor: sou amado e amo. Ou, dito de outra forma, tenho capacidade de amar porque senti, de forma inequívoca, que fui amado e desejado pelos meus pais. É o amor avassalador que os pais sentem pelos filhos que funda a capacidade de amar e a própria saúde mental. É este amor que invade toda a mente materna durante a gravidez que leva a certeza ao bebé de que é desejado e esperado. É este amor que inunda toda a mulher quando o seu bebé nasce e é colocado num contacto pele a pele sobre o seu peito.
Mas, como atrás dissemos, este não é um amor ideal (haverá algum?). Trata-se de um amor que engloba uma gama avassaladora de afectos, entre os quais cuidado, alegria, expectativa, ansiedade e o medo, mas todos voltados para a vontade de se sintonizar e ajustar àquele bebé, mesmo ainda no ventre materno.
Quando se sobrepõe uma imagem idealizada do bebé e sobretudo da relação com o bebé, existe o perigo de o bebé real e de a relação real serem decepcionantes e de conduzirem a um estado de tristeza e de frustração na mãe, que pode, de forma permanente ou intermitente, bloquear a alegria e a espontaneidade na relação mãe-bebé, com consequências para o desenvolvimento do bebé e para o sentimento de competência e satisfação da mãe.
Ora, a gravidez pode ser um momento de reflexão mais profunda e de mudança na mãe, que se confronta com as suas próprias falhas e com as suas dificuldades que vai imaginando na sua relação real com o seu bebé. Uma coisa é imaginar a relação ideal com o seu bebé, onde pode colocar-se a si e ao seu bebé como quase perfeitos – imagem que repararia as insuficiências que sentiu na relação precoce dos seus pais para consigo –, outra coisa é quando começa a descortinar a possível relação real com o seu filho. Nesta existirão sempre desajustes…
Provavelmente, a mãe já se deu conta da sua forma de agir/reagir com as outras pessoas significativas, como o seu marido. Pode sentir-se, então, encurralada e encerrada num mundo psíquico do qual não consegue escapar e oferecer melhor relação ao seu filho… O que a pode deprimir… Contudo, a gravidez e a relação com um filho podem tornar-se estímulos suficientemente fortes para uma mudança por parte da mãe. A psicoterapia pode ajudar nesta transformação, oferecendo um espaço e uma relação onde tudo isto pode ser pensado e significado, mas a mulher pode empreender esta mudança sozinha… ou melhor, na relação com o seu filho e com o seu marido.
Mudanças psíquicas que geralmente trazem alterações nas relações reais da futura mãe com os seus próprios pais. Afinal, também ela vai ser mãe. Deixará de ser só filha. E o reconhecimento desta mudança por parte dos seus próprios pais pode também desempenhar um papel importante na segurança e confiança com que a futura mãe ascenderá ao seu novo estatuto. Contudo, esse reconhecimento é importante, mas não é essencial. Essencial é que essa legitimização surja de forma inequívoca na cabeça da futura mãe e do seu companheiro.
A gravidez e a relação com o filho podem consistir em momentos óptimos de transformação psíquica, pela motivação e esperança que criam… e, sobretudo, pela força do amor que suscitam. Efectivamente, mudamos por amor, com amor e para o amor. Este sentimento é o centro do nosso universo psíquico.
As neurociências têm vindo a mostrar os circuitos neuroquímicos que tornam o amor um sentimento tão poderoso no nosso desenvolvimento. Sobretudo ao nível do papel da serotonina, a chamada hormona do amor (de que já falei nos artigos anteriores para esta mesma revista). É este amor que confere um estímulo para nos suplantarmos a nós próprios, embora isso seja difícil, claro. E será este amor que acontecendo nas relações precocíssimas e precoces liberta a espontaneidade do ser na relação e permite a criatividade do brincar, que funda a sintonia relacional.
A cultura social actual sublinha a competência – e a competição e a inveja, acrescentaria eu – e uma ideia de que, com tanta informação e tantos apoios ao nosso alcance, não podemos falhar nos nossos diversos papéis. Sobretudo no que toca a ser-se pai. Há cursos, há livros, há máquinas que fazem tudo e mais alguma coisa, há amas, há creches, há workshops de tudo e mais alguma coisa para fomentar a ligação entre pais e filhos. E devemos trabalhar o mais possível para conseguirmos ter dinheiro para oferecer ao nosso filho tudo o que está estudado e comprovado cientificamente que é imprescindível para o seu desenvolvimento saudável. E ainda devemos ter tempo de qualidade para estar com ele, que, dizem os entendidos, tem a ver com a disponibilidade emocional, e que, por isso, está para além do tempo real e das preocupações reais que temos.
Penso que não haverá pais que não sintam que estão aquém…
Ora, aquilo que eu gostaria de sublinhar aqui é que a possibilidade de falharmos como pais, como pessoas, como pares amorosos, e em todos os domínios da vida, faz parte da contínua aprendizagem que é viver. E de como é na dessintonia relacional que se encontra o espaço para refletir e pensar em como fazer de outra forma. Ou seja, são os momentos de dessintonia que têm o potencial de gerar momentos de sintonia. Os desajustes não são falhanços irreparáveis e traumatizantes… Podem, antes, ter o papel inverso de promoção da mudança.
Assim sendo, embora a gravidez seja um momento óptimo de transformação psíquica dos pais, tal não significa que caminhem sem conflitos, sem desajustes, sem tristeza e decepção. O bebé que se tem na cabeça é, em grande parte, o bebé representativo da sua relação ideal consigo mesmo e com o outro. Ou seja, é uma representação da relação perfeita que todos temos na nossa mente. E que tão bem se conjuga com a exigência que a cultura social actual defende. Com todos os perigos que isso tem.
Concluiria, então, que o caminho que se inicia na gravidez, e que terá o seu expoente máximo no nascimento do filho, é o caminho do confronto com a desidealização de si mesmo, do outro e do próprio filho. Caminho assente na vivência e na consciência de ajustamentos relacionais – momentos de dessintonia e momentos de sintonia - que criam o espaço potencial para a reflexão e para a mudança… em que todos os parceiros se tornam mais reais.
Neste sentido, não é raro que os futuros pais sintam mudar a sua maneira de ver os seus próprios pais, muitas vezes compreendendo as suas atitudes e comportamentos – agora vistos à luz da parentalidade, e não da relação filial. Os seus pais deixaram de ser perfeitos ou uma decepção face à perfeição que deveriam ter sido. Os seus pais passam a ser reais, com dificuldades reais em se ajustarem no desempenho do seu papel de pais. Afinal, um papel que se vai aprendendo com os filhos, com a relação com estes estabelecida e com os desafios que a vida sempre traz. E esta visão mais realista também ajuda os futuros pais a serem mais tolerantes consigo mesmos no desempenho do seu novo papel!

Vivências emocionais na gravidez


Ou como a gravidez impulsiona o sonho e a mudança

Catarina Rodrigues
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta


A gravidez é um momento de grandes transformações – físicas (na mulher) e psíquicas (na mulher e no homem).
Quando a gravidez física vem na sequência de uma gravidez psicológica, a disponibilidade emocional do homem/da mulher para ser pai/mãe é potenciada. Neste caso, o anúncio da gravidez pode tornar real um desejo que povoa o imaginário daquele homem e daquela mulher, onde o bebé já existe, é amado e investido. Mas é quando se vê “grávida” no teste de gravidez que esse desejo potencial desabrocha. Não significa, porém, que não exista inicialmente um impacto emocional dessa informação dentro do psiquismo do próprio. Muitas reacções são possíveis, todas transportando um misto de deslumbre, alegria, medo, responsabilidade, noção de mudança de vida para sempre.
Alguns casais não sentem este deslumbre logo no início e até podem não estar disponíveis para falar da gravidez. Em muitos casos, essa aparente indisponibilidade reflecte a grande elaboração mental que se está a fazer sobre as implicações em si mesmos, ao nível do casal, da vida profissional e da vida social que o futuro nascimento daquele bebé acarreta...
É importante respeitar o ritmo com que cada um vive a gravidez. São 9 meses de profundas transformações e de grande descoberta pessoal e do casal. Que se possa viver um mês de cada vez!
Gostaria de sublinhar que habitualmente a grávida está bastante disponível para partilhar a sua experiência. Eu diria mesmo que muitas vezes está desejosa. E não estou a pensar particularmente na partilha da sua felicidade, mas sobretudo no desejo que tem de falar com alguém sobre os seus sentimentos e pensamentos sobre o medo que sente, sobre as suas dúvidas, sobre o que pode fazer para cuidar o melhor possível de si e da “sementinha de vida” que se implantou no seu útero. Sobretudo quando se trata de uma primeira gravidez.
Da minha própria experiência, não existem muitas respostas a este nível para a grávida recente. Existem muitos cursos de preparação para o parto, mas estes são dirigidos a grávidas a partir das 24 semanas e, como o próprio nome indica, focados na preparação física e mental para o momento do parto.
Contudo, penso que deveríamos também falar de preparação para a parentalidade e de potenciação da disponibilidade emocional parental, proporcionando à grávida e ao casal um espaço e um tempo de escuta e de esclarecimento das suas questões. Um espaço que promoveria, então, a disponibilidade emocional dos futuros pais para auscultarem as emoções que emergem dentro de si, por vezes de forma bastante avassaladora e intensa, as clarificarem e transformarem em pensamentos. Mencionei no artigo anterior (Vinculação e Adoecer Infantil) como a disponibilidade emocional parental se encontra relacionada com a história de vida da pessoa, a sua maturidade e a relação de segurança/confiança com o companheiro. A escuta atenta e empática pode auxiliar a que a grávida e seu companheiro encontrem dentro de si mesmos os ecos do passado que a gravidez sempre traz e os possam trabalhar, de modo a que, no futuro contacto com o bebé, se sintam livres e espontâneos para amá-lo como ele é, reconhecendo a sua individualidade, e não projectando para ele as suas próprias emoções e desejos.
Neste sentido, penso que se deveria oferecer à grávida e ao casal uma relação de ajuda assente no holding, no sentido em que Winnicott o definiu, isto é, de estar com o outro psicologicamente, imaginando o que se passa dentro dele e estando ao seu lado, aguardando com ele e ao seu ritmo que as emoções se tornem pensáveis na sua mente. E sempre, acrescento, com um olhar de esperança e de resolução por parte de quem acompanha.
Foi com este propósito que eu e a minha colega Rosa Pires criámos o espaço «Grávidas em Estado Zen», dirigido a grupos de grávidas ou a grávidas e seus companheiros, e cuja informação pode ser encontrada no site do Consultório de Psicologia.
Eu própria quando engravidei defini com ela uma periodicidade para podermos falar de sentimentos, de dúvidas, de medos, que eu própria não encontrava eco em nenhum outro sítio. Nas consultas médicas, o espaço para falar das emoções é reduzido e aos livros sobre o tema falta-lhes o ingrediente principal: o calor, a aceitação e a intimidade da relação presencial com um outro.
E por experiência própria constatei que, à medida que fomos falando sobre o que se passava dentro de mim e que me fui sentindo aceite e compreendida e tranquilizada, foi crescendo o sentimento de competência e a alegria eclodiu.
É no encontro prazeroso/amoroso com o outro que nos expandimos como pessoas. São momentos onde predomina a sintonia, a sincronia, a contingência na relação e que nos fazem sentir alegres, entendidos e, assim, curiosos face ao outro e face ao mundo que nos rodeia, estimulando o nosso cérebro e ampliando as nossas emoções! Fazendo-nos sentir capazes porque assim nos sentimos espelhados na mente desse outro significativo.

A gravidez impulsiona o sonho!
Da minha própria experiência, nesse momento actualizam-se várias imagens.
  1. O bebé sonhado
A gravidez é um momento de um enorme turbilhão interior, em que tudo é pensado e colocado em causa, dando conta da grandeza das transformações internas e da adaptação à nova realidade que se vai fazendo dentro do próprio. Até porque o bebé despoleta o sonhar na mente parental. Sonhar-se como pai e mãe, sonhar a relação que se vai criar com aquele filho, sonhá-lo. Desejar-se fazer diferente com aquele filho do que aquilo que se recebeu. Desejar-se, por ventura, fazer melhor. Mas, para que isso seja possível é necessária a consciência da sua própria história. Afinal, é esta que dá significado ao sonho, ao projecto…
Por um lado, há o sonhar aquele bebé que se está a formar, projectando-o num futuro pessoal (que características terá?; o que poderá herdar geneticamente?; e o que pode adquirir na relação connosco?), relacional (como será na relação connosco?) e de vida (sonhando-se o seu desenvolvimento para o futuro). Penso que neste bebé sonhado, há a recuperação viva de si próprio enquanto bebé e a consciência das coisas que correram bem e das que correram menos bem, numa perspectiva de se fazer diferente com o bebé que aí vem.
Neste sentido, em meu entender, este pensar o bebé assenta na possibilidade de se poder pensar a si próprio e à sua história. Saber que se alberga um bebé é uma oportunidade para se pensar em si mesmo enquanto bebé e na relação de infância vivida com os pais. É também um momento de contacto com o bebé ideal e a gravidez ideal, que se vai mitigando pela imposição da realidade, transformando-se no desejo de oferecer os melhores cuidados possíveis ao bebé.
Por vezes, a pessoa pode confundir-se com o bebé sonhado, projectando para ele emoções que fazem parte da sua história pessoal. Muitas vezes, tal pode resultar numa forma de compensação das falhas que viveu, desejando e fazendo para aquele bebé o que não se teve; noutras poderá tratar-se de uma hemorragia da sua ferida psíquica, contaminando a história nascente daquele bebé. Nestes casos, é a personalidade do futuro bebé e o seu self autêntico que estão em risco.
A existência de traumas podem, pois, impossibilitar este sonhar. Dentro do próprio, ainda vive o pesadelo e a dor. Nesses casos, é muito difícil sonhar aquele bebé. Pode até ser impossível sentir a própria gravidez… O contacto com o bebé uterino faz reviver as feridas do passado que, não tendo sido elaboradas, continuam a magoar de forma viva.
No desenvolvimento saudável de uma gravidez vai crescendo a capacidade de pensar o bebé, à medida que o crescimento da barriga, os movimentos do bebé e a proximidade do parto o vão tornando cada vez mais real. Os cuidados que a grávida tem para consigo, ao nível das consultas médicas, da alimentação, do cuidado da pele, da ginástica, traduzem, a meu ver, esta disponibilidade emocional, na medida em que esses cuidados não são apenas realizados a pensar em si mesma, mas, e fundamentalmente, a pensar no bem-estar e no desenvolvimento do seu bebé.
Mais tarde, a construção do quarto do bebé e a compra das suas roupas dão concretude e espelham o investimento dos pais no ser que aí vem. Prepara-se o ninho exterior, na expectativa de acolher bem o bebé e lhe proporcionar um espaço físico que lhe dê tranquilidade e equilíbrio, conforto e bem-estar, para que continue a crescer bem e saudável!
  1. O casal em transformação
Desde que se sabe da gravidez, a “sementinha de vida” que será o filho de ambos entrepõe-se em todos os gestos e atitudes, comportamentos e decisões, na medida em que o bebé é presença constante e viva na mente de ambos.
Da parte do homem, a atenção prestada à sua mulher e o desejo de estar em contacto com a “barriga” permitem-lhe participar nas transformações que ocorrem na mulher e manter-se próximo e em contacto com o seu filho: senti-lo e imaginá-lo.
Para a mulher, esta atenção por parte do homem é fundamental. Neste momento de transformação de filha para mãe, a sua procura de atenção por parte do companheiro pode refletir um desejo de mimo e de atenção que pode parecer regressivo. Não o é, contudo. A mulher pode manifestar comportamentos mais frágeis e infantis… que no fundo apenas expressam o seu desejo de atenção, de conforto e de aconchego… o holding de Winnicot que dá segurança de que vai ultrapassar a ansiedade e o medo (naturais), à medida que vai ganhando maior consciência das suas competências como futura mãe.
Quanto a mim, esse desejo de atenção e de mimo é natural, e observa-se mais no 1º trimestre da gravidez, quando a elaboração da notícia ainda se está a fazer. Quase sempre, precisamos de dar um passo atrás para dar outros em frente. E o cuidado com que o homem trata esse desejo de atenção, de carinho e de mimo dão confiança e segurança à mãe de que tem a seu lado alguém preparado para cuidar. No momento em que se prepara para ser cuidadora, é bom sentir-se cuidada e mimada. Dá-lhe a certeza de ser presença amada na mente do seu companheiro.

A gravidez impulsiona a mudança!
Por outro lado, para cada membro do casal, esta é também uma oportunidade para se projectar no futuro, como mãe ou pai, e se sentir a grandeza do desafio que se tem pela frente e questionar-se das capacidades próprias e das do parceiro. Há o pensar sobre o próprio e sobre a sua vida, que deixará de ser a mesma para sempre, e sobre a relação com o companheiro.
É uma altura de grande crescimento para o casal e de amadurecimento da sua relação. O bebé de ambos traz nova força à ligação que já os unia, fortalecendo-a. A partir daquele momento, há um laço que os unirá para sempre. Muitas vezes, é uma altura em que o casal passa a estar mais à-vontade para dizer aquilo que realmente pensa e quer um ao outro. O bebé de ambos concorre para uma maior autenticidade. Já não se tem tanto medo de perder. O bebé traz uma sensação de cimentação da relação. Neste sentido, potencia a partilha dos sonhos, dos receios, dos projectos. E não só em relação ao bebé. Saber que se vai ser pai abre a hipótese de uma nova etapa na vida do sujeito. Analisa-se o percurso de vida e existe uma nova motivação para se lutar por uma vida melhor. Efectivamente, muitos são os pais que referem ter realizado mudanças na sua vida por esta altura, nomeadamente no sentido da concretização de “projectos-sonhos” que estavam guardados numa gaveta e não implementados por receio ou conformidade.
A mudança que é ser pai introduz, pois, a possibilidade de se efectuarem outras mudanças. O bebé que aí vem traz consigo uma enorme motivação para se mudar a vida e torná-la melhor e mais satisfatória. Além disso, assenta a noção que se deixou de ser filho. Vai ser-se pai. E isso traz novas responsabilidades e a vontade de se aceder a esse novo estatuto, onde predomina a vontade própria e a auto-determinação. Ser-se pai é, em última análise, uma oportunidade para se tornar adulto de pleno direito. É desejar não estar submetido à vontade de outrem. É desejar dar voz ao seu íntimo e deixar florescer e incrementar as suas competências. É deixar de se ver como dependente e fruto de cuidado e orientação de outrem, para se consciencializar da sua capacidade de cuidar e construir a sua vida de acordo com os seus sonhos e projectos e, agora, em prol de um outro ser que tanto significa. De acordo com a definição de Coimbra de Matos sobre a construção da identidade, ser-se pai pode ser uma oportunidade para se auscultar a sua identidade idiomórfica, isto é, a identidade cimentada no conhecimento de si mesmo por si mesmo e ter a coragem de agir em conformidade.
Provavelmente, nem sempre temos consciência destes pensamentos, outros não teremos efectivamente consciência, mas eles são como os pauzinhos que os passarinhos trazem para construir o ninho. Vão forrando o útero psíquico em que se instala o bebé mental.

Vinculação e Adoecer Infantil


Catarina Rodrigues
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta



Provavelmente, já se deparou com uma situação em que sentiu que o aparecimento de uma doença sem expressão orgânica na criança tinha um valor comunicacional. Provavelmente, também já o sentiu em si mesmo.
Neste artigo debruço-me sobre a dinâmica relacional subjacente ao adoecer psicossomático infantil, considerando-o a base do adoecer psicossomático do adulto. Com adoecer psicossomático infantil, estou a pensar nas perturbações do sono; alimentares; digestivas e gástricas; respiratórias; problemas de pele, que não têm base orgânica.
Experiências pessoais, a observação de bebés, a clínica infantil e mesmo a clínica do adulto fizeram-me pensar sobre a influência de aspectos relacionais sobre as doenças físicas, entendendo-as como vias de comunicação, corporal, sobre esses mesmos aspectos. Ou seja, aquilo que penso é que, na doença psicossomática, os comportamentos do bebé e da criança pequena traduzem o seu psiquismo imaturo. O corpo “fala” aquilo que a mente não consegue elaborar e integrar. Ou seja, o corpo “fala” aquilo que não se torna pensamento.
Provavelmente, no adulto também a doença psicossomática continua a evidenciar esta imaturidade e dificuldade em elaborar e pensar emoções e afectos, que continuam a encontrar no corpo a sua via de comunicação e expressão. Emoções que, desde a infância, ficaram ser contenção e elaboração mental por parte de um adulto com um psiquismo mais maduro, capaz de transformar tais experiências em palavras pensáveis e transformáveis e que se mantiveram, portanto, nesse ponto de esperança de compreensão e de elaboração. Ficaram, pois, com o seu desenvolvimento em suspenso, como diria António Coimbra de Matos. É essa esperança que encontramos nas pessoas que nos procuram em terapia, e à qual devemos saber responder sensível e complementarmente.
Na infância, o facto de termos um cérebro em desenvolvimento, de ainda não falarmos e de estarmos mais dependentes do meio, leva a que a comunicação se processe essencialmente pelo corpo… até que a linguagem se institui como meio de comunicação privilegiado.
Começamos, pois, a comunicar de forma não-verbal. Comunicamos pelos sons que emitimos pela boca; pelos movimentos do corpo; pela forma como olhamos e nos relacionamos com os outros, como nos deixamos agarrar e envolver; pelo choro e pelo riso; pelo apetite que temos; e comunicamos também, de forma mais subtil, pelo tom da pele e temperatura e tonicidade do nosso corpo. Poderemos dizer que, no bebé, TUDO é comunicação. Ou melhor, tudo tem carácter comunicativo perante o Outro.
Ora, como tão bem nos têm vindo a demonstrar os estudos ligados à vinculação e, mais recentemente, com o contributo dos estudos em neurociências, à expressividade do bebé deve aliar-se a disponibilidade emocional do adulto para a sua descodificação, afinação afectiva e expansão. Winnicott compreendeu bem este aspecto sublinhando o facto de que um bebé não existe sozinho. E Coimbra de Matos acrescentou que, para que existamos como pessoas, primeiro tem de surgir o investimento e o amor de um outro significativo.
Realço, pois, o conceito de disponibilidade emocional parental (para além da tão falada disponibilidade emocional materna), sublinhando a importância quer do pai quer da mãe para o bom desenvolvimento do bebé. Afinal, na sociedade actual, o papel do pai tem-se transformado. Fruto de uma mudança de mentalidade e de cultura, actualmente a maioria dos pais deseja tanto como as mães fazer parte da vida do seu filho… e tão cedo quanto o momento mágico e profundamente transformador em que sabem da gravidez! E quando a gravidez física vem na sequência de uma gravidez psicológica, a disponibilidade do homem/da mulher para ser pai/mãe é potenciada. O anúncio da gravidez vem tornar real um desejo que povoa o imaginário daquele homem e daquela mulher, onde o bebé já existe, é amado e investido.
Claro que a disponibilidade parental pode ser “acordada” ao longo da própria gravidez ou quando o bebé nasce ou algures na relação entre aquele pais e aquele bebé. O que importa é que haja um momento em que aquele homem se sinta pai e aquela mulher se sinta mãe e se sintam apaixonados pelo seu filho, e isso transforma profundamente a sua maneira de sentir e de pensar. O centro do psiquismo e das preocupações e desejos dos novos pais passa a ser aquela “sementinha de vida” que se está a desenvolver e que se irá transformar num bebé ou aquele bebé que, ao nascer, transformou aquele casal numa família.
Esta disponibilidade emocional parental para pensar no bebé, e que se traduz numa maior vontade para o compreender e o fazer sentir bem, é extremamente importante nos primeiros anos de vida do bebé. Nascente do enamoramento por aquele pequeno ser que é o seu filho, a disponibilidade emocional parental expande a capacidade dos pais para se colocarem no lugar do seu bebé, não ficarem indiferentes aos seus comportamentos, imaginarem o que se passa com ele, procurarem decifrar os seus sinais e compreender o que se pode estar a passar com ele em termos emocionais. Tudo em prol do seu bem-estar e bom desenvolvimento. Correlacionada com a maturidade emocional dos pais, esta disponibilidade permite aos pais pensarem pelo seu bebé, identificando-se com ele. É, pois, uma capacidade relacionada com a sensibilidade e a empatia (capacidade de se colocar no lugar do outro), assente no insight.
Os pais disponíveis emocionalmente expandem a sua capacidade em providenciar um quadro emocionalmente complexo à criança, que inclua a capacidade de contextualizar apropriadamente os motivos da criança, ao mesmo tempo que vão actualizando a sua visão sobre a criança, acompanhando o surgimento de comportamentos novos e inesperados ao longo do seu desenvolvimento.
Esta capacidade de insight parental contribui para que a criança sinta os seus pais como atentos às suas necessidades emocionais e capazes de aceitarem e gerirem diversos tipos de emoções, positivos e negativos, ao mesmo tempo que faz com que a criança se sinta um parceiro efectivo dentro de uma relação recíproca e intersubjectiva (Koren-Karie et al., 2002).
A doença psicossomática como expressão de um falhanço na disponibilidade emocional parental para pensar a experiência emocional e física do bebé
O bebé, ao nascer, encontra-se inteiramente disponível para a interacção desenvolutiva com o outro. Na infância, evidencia-se uma comunicação bastante fluida das necessidades, conflitos, tristezas, desejos, zangas e alegrias que, na ausência de um aparelho de pensar maduro, se expressam pelo corpo. As emoções vividas traduzidas em termos hormonais, de sinais eléctricos, dão informação ao cérebro imaturo do bebé e traduzem-se em comportamentos.
Esta comunicação somato-psíquica parece-me ser menos complexa do que no adulto. O bebé expressa claramente o seu bem e mal-estar. E comunica-o de uma forma multi-modal, ou seja, através de vários meios. Com o desenvolvimento, esta comunicação parece ficar mais defendida, mais oculta, servindo de barreira de protecção da expressão do Eu ao meio que o rodeia. As defesas adaptativas ao meio - que começaram a emergir na infância - vão se complexificando e complexificando o modo como nos relacionamos e transmitimos o nosso sentir e pensar.
Nem sempre o bebé encontra um adulto disponível emocionalmente. O trauma, a existência de psicopatologia, a depressão, a depressão pós-parto, e outros, são tudo exemplos de situações que perturbam a disponibilidade das figuras parentais para pensar o seu bebé, perturbando a vinculação. E o bebé, ao longo do seu desenvolvimento, vai-se ajeitando ao modelo relacional que lhe é oferecido (Schore, 2001), com base no qual vai instituindo os seus modelos internos de actuação.
Nestes casos, a perturbação parental é a lente através da qual os pais vão olhar e entender os seus filhos. Sensíveis à sua própria dor, os comportamentos e sinais do seu filho ecoam e ressoam nas finas cordas do sofrimento ou patologia parental, dificultando a percepção límpida e clara do “Eu” autêntico da criança. Dialogam com o seu filho através do trauma, do sofrimento, da patologia, atribuindo intenções e desejos e necessidades aos filhos que podem não estar nestes, mas no eco que os comportamentos dos filhos fazem na sua dor. Reagem, pois, à sua dor… O diálogo emocional está contaminado com interferências da sua dor, pungente e não-resolvida. Uma dor que, a meu ver, deseja ser ouvida e que quer ser entendida. Por isso, tão facilmente se projecta nos comportamentos dos filhos… Contudo, nestes, causa perturbação, uma vez que a criança não se sente ouvida em si mesma. Sente-se distorcida na e pela dor parental.
O desenvolvimento do afecto e das competências cognitivas para a regulação dos afectos estão intimamente ligadas com a disponibilidade dos pais em funcionar como “caixa de ressonância e de organização” dos afectos dos seus filhos. Quando isto não sucede, na criança fica a frustração e a decepção por não se sentir compreendida… Permanecendo um vazio relacional que anseia ser preenchido. Ajeitando-se a este modelo inseguro de relação de vinculação, estas crianças nem sempre têm confiança suficiente em si e nos outros para procurarem outros objectos de investimento amoroso e narcísico, que melhor respondam ao seu “Eu” autêntico.
Inseguras na vida, pouco confiantes nos outros, estas crianças manifestam dificuldades em gerir o stress que a vida sempre nos traz. A confiança para lidar com o stress adquire-se na relação que temos com os outros, nomeadamente na relação com as figuras de vinculação. É na capacidade parental para conter, elaborar e até transformar os medos que temos em criança - juntamente com percepção de que os pais têm uma perspectiva de curiosidade e de competência face à vida - que ajuda a criança a construir a sua segurança interna e a encarar as dificuldades como desafios, e não como obstáculos difíceis de transpor.
O sofrimento psicológico provocado pela desregulação do afecto materno pode gerar uma imunocompreensão inadequada e a inabilidade na gestão do stress, comprometendo o desenvolvimento dos mecanismos de auto-regulação da criança (Lopo, 2002). As modificações psicobiológicas que acompanham a relação afectiva desencadeiam padrões neuro-hormonais que influenciam o desenvolvimento das regiões fronto-límbicas e das conexões que irão mediar a regulação e a expressão dos afectos (Lopo, 2002). Como a elevação do cortisol provoca alterações no desenvolvimento do sistema límbico e no sistema imunitário, verifica-se, futuramente, uma imunocompreensão limitada e inadequada em situações de stress. Nestas situações, as crianças podem apresentar respostas como retirada comportamental, estilo de coping passivo face a situações desencadeadoras de stress e um aumento de vulnerabilidade à depressão (Lopo, 2002).
Também Allan Schore (2001) foca a importância da regulação psicobiológica exercida pelo cuidador primário no amadurecimento do sistema límbico da criança (especializado na adaptação a situações de stress). Mais concretamente, o autor realça a influência da vinculação segura no amadurecimento do hemisfério direito e na expansão das capacidades de coping da criança (Schore, 1994, 1999b, 2000b, 2000c, todos cit. por Schore, 2011). Neste sentido, o autor relaciona o conceito neurobiológico de «ambiente rico» e o conceito psicológico de «desenvolvimento óptimo» sugerindo o conceito psiconeurológico de ambiente interpessoal «facilitador do crescimento» (Greenspan, 1981; Schore, 1994, ambos cit. por Schore, 2001). Ou seja, um ambiente que afecta positivamente a maturação do cérebro que está dependente da experiência (afectiva e social) e que se encontra correlacionado com a vinculação segura, por oposição ao conceito de ambiente inibidor do crescimento, que afectaria de forma negativa o amadurecimento do cérebro, e que o autor faz corresponder a situações de vinculação insegura. «Histórias de vinculação seriamente comprometidas estão associadas a organizações cerebrais que são ineficientes na regulação dos estados afectivos e na gestão do stress» (Schore, 2001, p. 16).
Emoções à míngua de função pensante/reflexiva – corpo que adoece
Quando o bebé nasce, nasce com ele a esperança – que considero intrínseca ao ser humano – de ser amado, compreendido, estimulado/potenciado numa relação com figuras humanas primárias preferenciais. Isto é bem visível quando nos relacionamos com um bebé recém-nascido. De forma não-verbal, o recém-nascido reage aos comportamentos e atitudes daqueles que dele cuidam: emite pequenos sons, mexe a boca, mexe os bracinhos e as pernas, muda o tom da sua pele, orienta-se para o adulto, ajeita-se aos braços do adulto. Manifesta, pois, a sua receptividade face aos estímulos que o adulto lhe fornece. Comunica.
Para um adulto sensível e disponível emocionalmente, torna-se claro como certos comportamentos do recém-nascido têm um carácter comunicacional. Comunicam o seu bem-estar ou mal-estar face ao seu estado interno, face ao cuidado que lhe é prestado, transmitindo a adequação ou não do comportamento do adulto às suas necessidades. A esperança do bebé é ser entendido e bem respondido, o que o faz sentir-se cada vez melhor e mais confiante na capacidade dos pais em regularem o seu estado interno.
Adoecemos quando a relação é pobre e desinvestida, dominadora ou humilhante, coartando a possibilidade de expressão do “Eu” autêntico. Nesse caso, como uma flor num campo desertificado, murchamos. Mas esperamos que a chuva apareça e nos dê força e alegria para crescer… em direcção à luz do sol.
Referências Bibliográficas
Koren-Karie, Nina; Oppenheim, David; Dolev, Smadar; Sher, Efrat e Etzion-Carasso, Ayelet (2002), «Mothers’ insigthfulness regardin their infants’ internal experience: relations with maternal sensitivity and infant attachment». Developmental Psychology, vol. 38, nº 4, pp. 534-542.
Lopo, Teresa M. D. (2002), «Laços Afectivos Maternos na Alergia Alimentar». Dissertação de Mestrado em Psicossomática. Instituto de Psicologia Aplicada.
Schore, Allan (2001), «Effects of a secure attachment relationship on rigth brain development, affect regulation, and infant mental health». Infant Mental Health Journal, vol. 22 (1-2), pp. 7-66.

Psicoterapia pais-bebés

por Catarina Rodrigues
Psicoterapeuta

In Revista Psicologia na Actualidade Online


São entusiasmantes os recentes estudos na área das neurociências, apontando para uma estreita relação entre a organização psíquica materna e o desenvolvimento de uma matriz intersubjectiva no bebé. Através da Ressonância Magnética Funcional (fMRI), os investigadores têm chegado à conclusão que o sistema de vinculação é activado durante a gravidez e no período pós-natal, quando a mulher se prepara para pensar por dois, construindo uma perspectiva intersubjectiva que já inclui o bebé (Ammaniti e Trentini, 2009). A investigação neurocientífica indica a existência de uma intensa flutuação hormonal durante a gravidez, o nascimento e a lactação, que remodela o cérebro da mulher, observando-se um aumento de algumas regiões cerebrais, como o hipotálamo (que regula as respostas maternas) e o hipocampo (que regula a memória e a aprendizagem) (Mayes, Swain e Leckman, 2005, cit. por Ammaniti e Trentini, 2009). É neste contexto que defendo, quando a dança sincrónica não acontece de forma espontânea na relação entre pais e bebé, a intervenção psicoterapêutica, que pode ser realizada ainda durante e após a gravidez, na maternidade, no consultório, ao domicílio, e se necessário até ao 2º ou 3º ano de vida da criança. Ou seja, em situações em que o trauma e a indisponibilidade materna constituem causas suficientes para a perturbação do desenvolvimento do feto e mais tarde do bebé, a intervenção precoce é essencial para a prevenção de quadros psicopatológicos graves, paragem do crescimento fetal ou, mesmo, morte súbita do feto ou do bebé. Com efeito, algumas experiências uterinas podem constituir-se como micro-traumatismos para o feto e estão associadas à indisponibilidade parental para se afinar com as características do feto, no sentido do attunement ou afinação afectiva de Stern (2006, cit. por Reis, 2010). Concordo com Eduardo Sá (2003) quando realça que nenhuma experiência por si só determina o desenvolvimento do feto a não ser que se torne um estado permanente e se transforme num traço da personalidade. É nestas situações que se deve intervir e trabalhar essencialmente o bebé no sonho e na relação dos pais, funcionando o psicoterapeuta como um reanimador do psiquismo do feto e do bebé (Sá, 2003), intervindo de forma precocíssima na saúde mental, emocional, física e cognitiva do feto/bebé/futura criança. A consulta psicoterapêutica pré-natal deve dirigir-se, pois, ao trabalho do bonding (conceito definido por Klaus e Kennel, 1976), procurando compreender, na história de vida daquela mulher, as razões que lhe estão a impossibilitar de viver uma gravidez mais livre e gratificante, ligando-se ao seu bebé e deixando-se ser ligada por ele. Os estudos científicos recentes apontam para o facto de a relação de afecto para com o bebé crescer sobretudo nos primeiros 3 a 5 dias após o parto (Figueiredo, 2003) e progredir ao longo do primeiro ano do bebé, o que está relacionado com a crescente disponibilidade e capacidade responsiva do bebé, que faz com que a mãe sinta que o seu bebé a reconhece e comunica especificamente com ela Apontam, também, para uma relação directa entre a qualidade da relação do casal antes da gravidez e após o parto e uma relação directa entre a qualidade desta relação e a capacidade da mulher em superar o cansaço e a perturbação ligeira do humor (conhecida por blues pós-parto) decorrentes do parto e estar mais disponível para se ligar ao seu bebé (Isabella, 1994, cit. por Figueiredo, 2003). Não podemos esquecer a relevância do parto (Figueiredo, 2003), destacando-se o papel da ocitocina, também designada hormona do apego. Os estudos apontam para a relação entre os níveis de ocitocina e o tipo de parto, a dor no parto, a quebra do contacto precoce da mãe e do bebé e a disponibilidade interactiva do bebé (Figueiredo, 2003), sendo os maiores valores da hormona verificados em situações de parto normal e onde não existe quebra de contacto entre mãe e bebé nos primeiros momentos de vida extra-uterina do bebé. Com efeito, no decorrer das primeiras 24 horas de vida, o bebé está particularmente disponível e atento para a interacção (Field, 1990, cit. por Figueiredo, 2003), mantendo-se num período de alerta calmo, durante cerca de uma hora após o nascimento, durante o qual olha directamente para o rosto e os olhos da mãe e do pai e pode responder, num exemplo de proto-conversação (Trevarthen, 2001), às vozes que escuta. Na psicoterapia pais-bebé, o psicoterapeuta deve colocar-se na posição de cada um dos elementos, mãe, bebé, pai, auscultando dentro de si o impacto da relação estabelecida entre todos. Colocando-se na pele de cada um dos protagonistas, o terapeuta pode dar voz ao silêncio gritante que os desencontros produzem. Pode compreender os gestos agressivos ou indiferentes como carapaças defensivas face a uma relação de onde não se espera amor, reconhecimento, ligação, compreensão, numa continuidade de experiências dolorosas, angustiantes, desamantes. Compreender todas as emoções co-existentes na cena terapêutica com a família não é fácil. A presença de um bebé coloca-nos diante das nossas emoções mais precoces, desencadeia lembranças não-verbais da nossa própria relação primária, exige que auscultemos as emoções e as necessidades mais profundas, reconhecendo a dependência daquele ser face ao adulto e o desamparo sentido quando a resposta sensível e contingente não surge na comunicação dos pais. As reacções do bebé, nomeadamente o seu choro ou a ausência total de resposta, impelem também em nós, terapeutas, respostas instintivas, que precisam ser aceites e compreendidas naquela relação, que, afinal, é fundamentalmente uma relação humana… e que pretende recuperar a humanidade de todos os elementos. Ao constituir-se como um novo elemento activo naquela relação, o terapeuta procura criar um novo sistema, mãe/pai-bebé-terapeuta, que ofereça uma experiência relacional diferente. Interessando-se em perceber o porquê daquela qualidade relacional, o psicoterapeuta vai-se oferecendo como aparelho pensante e auxiliando na descontaminação e na co-construção de uma nova narrativa e, em simultâneo, introduzindo o bebé como objecto de (re)conhecimento e de relação. Ao mesmo tempo que compreende aquele bebé inserido nas características da relação actual, empatizando com a história de vida dos pais, o terapeuta permite-se dar voz ao desejo silenciado de encontro. Na esteira do programa TouchPoints de Brazelton, o psicoterapeuta pode ajudar os pais no reconhecimento das competências do seu recém-nascido, ilustrando como muitas são já competências para a relação específica com eles, incentivando a um corte com o ciclo relacional vicioso instituído. Ou seja, o olhar terapêutico impulsiona a co-construção de uma nova narrativa, onde se descobrem as competências dos pais e do bebé para o afecto naquela relação específica e privilegiada. O foco terapêutico deve estar direccionado, por um lado, à narrativa materna e suas representações e, por outro lado, à descoberta de como os comportamentos do feto e do bebé têm carácter vinculativo e expressam bem o seu interesse e atenção aos pais, nomeadamente à mãe, sobretudo no que concerne à contingência e sensibilidade das suas respostas. Desde cedo, mostrando que a comunicação multimodal é um meio eficaz de adaptação e de acção sobre o meio humano que o rodeia, o bebé “ajeita-se” ao estilo relacional que lhe é oferecido. Vai, assim, constituindo a teia mnésica relacional implícita, a que o terapeuta deve estar atento e onde deve actuar, compreendendo o seu valor matricial face a todas as relações futuras daquele bebé. Com efeito, este conhecimento fica guardado na memória implícita, sendo actuado, sem consciência, pelo sujeito ao longo da sua vida. À semelhança do recém-nascido, o terapeuta deve estar atento às tonalidades afectivas da relação entre pais e bebé, interessando-se em perceber os seus ritmos, as suas variações, as relações de contingência entre o comportamento de uns e a resposta de outro. Depois, deve deslocar-se deste papel de observador e adoptar um papel mais interventivo, procurando reparar a função alfa que falha naqueles pais, porque falhou na sua infância. Conhecedor da «esfera de significados» (Trevarthen, 2001) daquela família, compreendendo os comportamentos perturbadores do crescimento da relação, o terapeuta pode oferecer-se como aparelho pensante e entusiasmante da relação. E, a pouco e pouco, com respostas contingentes e sensíveis, o terapeuta vai introduzindo elementos sanígenos na dança da comunicação precoce e, à semelhança da «mãe suficientemente boa» de Winnicott (1956/2000), vai ajudando aqueles pais e bebé a re-construírem uma «esfera de significados» (Trevarthen, 2001) desintoxicada. Referências Bibliográfias Ammaniti, Massimo e Trentini, Cristina (2009), «How New Knowledge about parenting reveals the neurobiological implications of intersubjectivity: a conceptual synthesis of recent research». Psychoanalytic Dialogues, 19, pp. 537-555. Figueiredo, Bárbara (2003), Vinculação materna: Contributo para a compreensão das dimensões envolvidas no processo inicial de vinculação da mãe ao bebé, Revista Internacional de Psicología Clínica y de la Salud/International Journal of Clinical and Health Psychology, Vol. 3, Nº 3, pp. 521-539. Reis, Nuno (2010), No feto o bebé: as origens da relação. Se… não: Revista de Psicanálise, psicoterapia psicanalítica e desenvolvimento humano, pp. 103-110. Sá, Eduardo (2003), Psicologia do Feto. In Psicologia do Feto e do Bebé (3ª edição), Cap. V, pp. 85-100. Fim de Século. Trevarthen, C. e Aitken, K. (2001), Infant Intersubjectivity: Research, Theory and Clinical Applications. Journal of Child Psychology and Psychiatry, vol. 42, nº 1, pp. 3-48. Cambrigde University Press. Winnicott, Donald (1956/2000), A Preocupação Maternal Primária. In Da Pediatria à Psicanálise: Obras escolhidas. Pp. 399-405. Imago Editores. Rio de Janeiro.